O que são os direitos de vizinhança?
Sabemos que relações entre vizinhos são sempre uma grande fonte de problemas, seja em casas ou em condomínios edilícios. Nem sempre o convívio entre vizinhos é pacífico e, por isso, é necessário que existam previsões claras sobre os direitos de cada um.
Mesmo com alterações, a ideia dos direitos de vizinhança já existe desde o Direito Romano, tendo feito parte de outros sistemas legais que embasaram o nosso. Ou seja: vizinhos vêm brigando há séculos, e não temos nenhuma previsão de que isso pare.
Por isso, os direitos de vizinhança regulam desde frutos e galhos de árvores até o direito de construir e o direito de passagem no imóvel dos vizinhos, e estão previstos nos arts. 1277 a 1313 do Código Civil.
A natureza jurídica do direito de vizinhança é de obrigação propter rem, ou seja, de obrigação que acompanha a coisa.
Mas antes de começar a falar sobre esses direitos, vou contar um pouco da minha experiência com eles para destacar sua importância.
Qual a importância dos direitos de vizinhança
Lembro que, na época da faculdade, apresentei um trabalho sobre os direitos de vizinhança. Ainda jovem, com pouca experiência, pensei que tinham coisas desnecessárias de serem previstas, já que eram alguns pontos que poderiam ser resolvidos com um pouco de senso comum e conversa entre as partes.
Mais tarde, já advogado, enfrentei um processo que tinha como único pedido que um dos vizinhos não deixasse sua bicicleta no corredor do prédio comum. Era um prédio de dois andares, cada um com apenas um apartamento, e o vizinho de baixo prendia sua bicicleta no meio do corredor para atrapalhar a passagem do vizinho de cima.
Tenho até um vídeo no meu canal do YouTube, o Advocacia Simples, falando sobre essa experiência. Confira com mais detalhes para entender a importância dessas previsões:
Também já vi diversas disputas entre condôminos, processos em que um vizinho prefere que seu imóvel caia do que realizar obras que podem favorecer o outro vizinho, e inúmeros outros absurdos.
Assim, é importante conhecermos as previsões dos direitos de vizinhança, sempre buscando exemplos de sua aplicação prática. Vamos começar, então?
Quais são os direitos de vizinhança?
Os direitos de vizinhança previstos no Código Civil tratam sobre:
- O uso anormal da propriedade
- As árvores limítrofes e seus frutos;
- O direito de passagem de vias, cabos e tubulações
- Direito de passagem da água
- Os limites entre prédios e o direito de tapagem (muros);
- O direito de construir.
Abaixo, você confere cada um deles em detalhes.
Uso anormal da propriedade
Usando aquele velho ditado de avó, “seu direito acaba quando começa o direito do outro”, conseguimos entender a principal ideia do que seria o uso anormal da propriedade, previsto nos arts. 1277 a 1281 do Código Civil.
O uso normal da propriedade é todo aquele que não gera incômodos ou danos ao vizinho. Assim, o uso anormal é aquele que afeta de alguma forma esses direitos, como define o art. 1277 do CC:
Art. 277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.“
Como podemos ver, a regra não é a mesma para todos os locais, já que devem ser considerados todos os envolvidos. Um hospital com grande frequência de ambulâncias, por exemplo, não pode ser punido por sua própria natureza, assim como um aeroporto, desde que construído de acordo com a legislação vigente.
Casos práticos
Um dos maiores exemplos de atuação do advogado especialista em direito imobiliário neste tema dos direitos de vizinhança é a questão do barulho, em especial de estabelecimentos comerciais, como bares. É extremamente comum que bares gerem ruídos acima do permitido pela legislação local, se estendendo pela noite e incomodando a vizinhança. Nesses casos, é possível notificar o estabelecimento e, caso não seja cessado a ruído, ajuizar uma ação com essa finalidade.
Também é muito comum enfrentarmos casos envolvendo a necessidade de realizar ou de cessar alguma obra que possa estar gerando prejuízo aos vizinhos, ou por haver risco de queda, especialmente considerando que grande parte das obras domésticas é realizada, infelizmente, sem um arquiteto ou engenheiro responsável.
Árvores e frutos
O Código Civil traz algumas previsões sobre árvores limítrofes e seus frutos, que entendo serem autoexplicativas. Por isso, vou reproduzir aqui os artigos:
Art. 1282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.“
Art. 1283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.“
Art. 1284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.“
Como é possível ver, a redação é bem direta e clara, e até hoje não vi questionamentos sobre esse tema.
Direito de passagem
O direito de passagem é um direito de vizinhança muito interessante, previsto no art. 1285 do Código Civil, que dispõe:
Art. 1285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.“
Com esse direito, o proprietário de um imóvel “preso”, ou seja, sem acesso a qualquer saída, pode obrigar um vizinho a lhe dar passagem.
É importante destacar que, como vem decidindo o STJ, não se exige que o acesso seja impossível, podendo ser apenas um acesso muito difícil ou de grande custo. A ideia da lei é, realmente, impedir que um imóvel fique cercado, dependendo da boa vontade dos vizinhos para que se possa fruir dele.
Também existe direito de passagem para cabos e tubulações, previsto nos arts. 1286 e 1287 do Código Civil, que segue lógica semelhante, buscando não isolar o imóvel de serviços essenciais.
Em todos os casos, é devida indenização ao proprietário do imóvel afetado pela passagem.
Passagem de águas
Sabemos que a água é essencial para a vida. Por isso, há um grande regramento sobre passagem de águas no Código Civil, entre os arts. 1288 e 1296. Esses artigos destacam apenas os direitos de vizinhança, ou seja, os direitos relativos diretamente aos vizinhos. Existem normas próprias que regulam questões maiores de utilização e passagem de água, inclusive normas ambientais.
Em resumo, o fluxo natural da água deve ser tolerado pelo proprietário do imóvel que a recebe, mas qualquer alteração artificial deve ser indenizada. Além disso, não é possível que haja nenhuma alteração com o intuito de prejudicar um dos vizinhos, como é a lógica do direito da vizinhança.
Também há diversas disposições sobre a possibilidade de canalização de água pelos imóveis vizinhos, havendo, inclusive, aplicação das previsões de passagem de cabos e tubulações para esta finalidade, sempre focando no uso essencial, seja à vida, seja à uma atividade econômica.
Novamente, temos a lógica de que, se há algum prejudicado, ele pode ser indenizado, e até mesmo exigir a demolição da obra, caso esteja dentro do prazo do art. 1.302 (um ano e um dia – vou abordar com mais detalhes no tópico de direito de construir).
Limites entre prédios – muros e outros
Todo proprietário tem o direito de delimitar o seu imóvel, tanto para deixar claros os limites da sua propriedade, como para evitar conflitos com os vizinhos, como prevê o art. 1297 do Código Civil:
Art. 1297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.“
É mais um dos direitos de vizinhança que pode gerar grandes discussões, especialmente quando se presume que as divisas são de propriedade de todos os vizinhos (§1º), e que as despesas de manutenção devem ser repartidas.
No dia a dia, é muito comum vermos vizinhos se negando a dividir o custo da obra, ou mesmo se aproveitando dela para ir empurrando, aos poucos, a divisão para o lado do outro vizinho e aumentar o seu próprio imóvel.
Direito de construir
A maior de todas as previsões do Código Civil sobre direitos de vizinhança está neste tópico, sobre direito de construir, que abrange os arts. 1299 a 1313 do Código Civil.
É importante entender, ainda, que os direitos de vizinhança aqui previstos podem ser limitados pelo Estatuto da Cidade, pelo Plano Diretor e por diversas legislações municipais sobre construções, não sendo absoluta a previsão do Código.
Aqui, há diversas limitações ao direito de construir em sua propriedade. Por exemplo, o proprietário deve construir de uma forma que seu imóvel não despeje água no imóvel vizinho (art. 1300) e deve observar distâncias mínimas para abertura de janelas, de 1,5m de frente para o terreno do vizinho, e de 0,75m se a visão não for direta (art. 1301).
Há também previsão de distância mínima de 3m para construção em imóveis rurais, de possibilidade de construir junto à parede de outros imóveis em imóveis urbanos, entre diversas outras.
O ponto principal a se observar neste tópico é que seguimos a linha dos demais direitos de vizinhança: a ideia é evitar conflitos entre vizinhos, fazendo previsões mínimas de convivência de modo a reduzir o incômodo.
Prazo decadencial para demolição de obra indevida
Existe uma previsão importantíssima neste tópico, que é o prazo decadencial para se exigir a demolição de alguma obra que venha a infringir alguma previsão do Código, conforme o art. 1302 do Código Civil:
Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.“
Este prazo vale para as ações demolitórias, e se inicia a partir da conclusão da obra. Enquanto a obra estiver em curso, a ação cabível é a ação de nunciação de obra nova, que visa suspender a obra antes que ela termine. Com o fim do prazo, não há possibilidade de discussão sobre a obra realizada.
Temos grande atuação na parte de direitos de vizinhança relativa ao direito de construir. É muito comum a propositura de ação de nunciação de obra nova e ação demolitória, mesmo em casos que não estão expressamente previstos no Código, em que se identifica que o objetivo da construção foi apenas a má-fé de um vizinho para prejudicar o outro, como, por exemplo, fazer um muro excepcionalmente alto apenas para fazer sombra na piscina do vizinho.
Direitos de vizinhança na prática
Quanto mais estudo direitos de vizinhança, e sempre que tenho novas demandas nessa área, vejo como é difícil a convivência entre vizinhos.
Por isso a atuação dos advogados da área acaba sendo imprescindível, e devemos focar especialmente na tentativa de mediar o conflito e oferecer as soluções mais rápidas aos clientes, que muitas vezes são as extrajudiciais – seja uma notificação ou mesmo uma tentativa de conciliação prévia.
Além disso, é sempre importante levar em consideração a ideia principal das previsões do Código Civil, que são manter a boa-fé e evitar que um vizinho prejudique o outro. Com isso em mente, fica mais fácil entender os direitos de vizinhança.
FONTE: https://www.aurum.com.br/blog/direitos-de-vizinhanca/
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