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  • Arbitragem no Direito Empresarial contemporâneo

    Arbitragem no Direito Empresarial contemporâneo

    1. INTRODUÇÃO.

    O instituto da arbitragem, reintroduzido no direito brasileiro em estatuto próprio em 1996, com o advento da Lei n. 9.307, tem sido cada vez mais utilizado no Brasil como forma alternativa e efetiva para a solução de controvérsias, tornando-se, inclusive, uma opção viável ao Judiciário. A arbitragem, ou juízo arbitral, foi um dos primeiros meios de solução de conflitos conhecidos pela história, método pelo qual as partes buscam pacificar as relações conflituosas mediante a intervenção de um terceiro, de forma privada.

    Trata-se de um instituto legislado e conhecido há muito no Brasil, substantivado no direito brasileiro inicialmente pelas Ordenações Filipinas de 1603, e expressamente adotado pela Constituição brasileira de 1824, sendo efetivamente consagrado como forma de prevenir litígios nas Constituições de 1891 e 1969.

    Em operações comerciais internacionais, recente pesquisa conduzida pela Queen Mary University de Londres, em parceria com a consultoria Price Waterhouse Coopers, constatou que aproximadamente 73% das empresas multinacionais preferem o uso da arbitragem para solucionar suas disputas internacionais, e que 95% dessas empresas anseiam continuar ou ampliar a aderência a tal prática.

    As principais razões para tal escolha são: a flexibilidade no processo; a possibilidade de execução do laudo em virtualmente qualquer jurisdição, devido à existência da Convenção de Nova York de 1958; o sigilo assegurado ao processo; a capacidade das partes de eleger um ou mais árbitros afetos à questão sub judice; assim como a possibilidade de eleger uma lei apta a adequar a negociação à efetiva vontade das partes. As desvantagens normalmente estão associadas às custas, que algumas vezes podem ser superiores às do processo judicial; a ausência de prazos e fases definidas, que podem retardar o encerramento de alguns procedimentos; a possibilidade de intervenção do Judiciário, retardando ainda mais o procedimento; assim como a dificuldade em compelir terceiros a participar do processo.

    Há também uma percepção generalizada de que a revisão judicial de laudos arbitrais é impossível, o que não é verdade para alguns casos. O mérito da decisão efetivamente não se sujeita a um segundo grau de jurisdição, mas questões formais ou preliminares rechaçadas pelos árbitros podem ser revistas em juízo. Ademais, muitos dos problemas identificados no procedimento arbitral também são encontrados na solução pela via judicial.

    Por essas razões, somadas à cultura da submissão dos particulares aos órgãos da administração estatal e à idéia de que a administração da justiça é monopólio do Estado, é que infelizmente a arbitragem nunca se firmou como opção viável em contratos celebrados em território nacional, um pouco pela ausência de um marco legal definido e de uma cultura avessa à intervenção privada em um domínio tido como exclusivo do Judiciário estatal, um pouco pelo desprestígio ao instituto outorgado pela lei até então vigente, que, nas raras ocasiões em que o fazia, demandava um procedimento extremamente gravoso para dar efetividade às decisões arbitrais, e muitas vezes produzia um laudo (decisão) que não poderia ser executado.

    Tal cenário interno mudou. Diversas são as áreas em que a arbitragem se tem mostrado como instrumental eficaz, e, para questões no âmbito societário, esta demonstra um promissor potencial, devido à especificidade das questões que podem surgir entre sócios de uma empresa e entre estes e a própria empresa.

    A mesma lógica que leva milhares de empresas e empresários a optar pela arbitragem para a solução de suas controvérsias comerciais internacionais pode ser utilizada como paradigma para eleger a arbitragem como forma de solução de controvérsias societárias. A uma porque grande parte das empresas modernas tem capital e sócios estrangeiros e atuações em diversas localidades do globo, ou busca sócios com esse perfil para integrar seu quadro societário; a duas porque as lides societárias, assim como nas operações de comércio internacional, são extremamente intricadas e específicas, e seu manuseio e comando não são dominados por grande parte dos integrantes do Judiciário pátrio, seja por falta de prática, vivência ou preparo; a três porque em determinadas ocasiões pode ser útil às partes a eleição de um direito outro que o brasileiro, e a única forma de fazer prevalecer uma decisão pautada em direito estrangeiro é a via arbitral; a quatro porque a sociedade pode continuar suas atividades sem qualquer interferência externa, focando seus esforços em sua atividade-fim, e não num contencioso aberto que muitas vezes atribula ou interrompe a vida da empresa. Por fim, num mercado cercado de terceiros ilegitimamente interessados nos assuntos internos da sociedade, a possibilidade de resolução de controvérsias de forma técnica, eficaz, veloz e sigilosa pode garantir a preservação e a independência da empresa.

    Por ser um tema de grande amplitude, o presente artigo tentará demonstrar as questões mais relevantes de forma sucinta e clara, buscando analisar unicamente os aspectos mais importantes do instituto.

    2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA ARBITRAGEM.

    A Lei n. 9.307/96 alterou as regras até então vigentes no Brasil relativas à arbitragem, possibilitando eficazmente solucionar litígios por meio da indicação de árbitros ou instituições arbitrais escolhidas pelas partes.

    A arbitragem, na forma prescrita pela lei, está apta a solucionar unicamente controvérsias que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, sendo adotada como método alternativo ao Poder Judiciário. Alternativo, pois se trata de instituição privada, de efeitos judicantes.

    Dentre as vantagens a serem elencadas podemos destacar a maior aderência à autonomia das vontades das partes; a rapidez; o preparo e a vivência do árbitro nas questões levadas à sua apreciação; por vezes um custo menor; legalidade e possibilidade de execução forçada da decisão; assim como a manutenção de sigilo quanto ao procedimento e à decisão a ser alcançada.

    Adicionalmente, mister se faz afirmar que o árbitro deve ser pessoa ou instituição estranha à empresa e aos acionistas, uma vez que, nos termos do art. 14 da Lei 9.307/96, aplicam-se aos árbitros os mesmos impedimentos ou suspeição dos juízes.

    Às partes, todavia, é lícito transigir nesse aspecto havendo um terceiro interessado ou afeto à causa que conte com a confiança da totalidade dos participantes do processo arbitral.

    A arbitragem pode ser ad hoc ou institucional.

    A primeira não é necessariamente conduzida sob as diretrizes e normas de nenhuma instituição arbitral regularmente constituída, de forma que as partes podem convencionar livremente as regras procedimentais e a seleção dos árbitros, podendo inclusive, se acharem conveniente, sujeitá-las a procedimento institucional. Já quando submetidas a uma instituição arbitral, as partes concordam em solucionar a disputa por essa instituição especializada, que administrará os procedimentos nos moldes de suas próprias regras, previamente conhecidas e aceitas pelas partes.

    3. DIREITO EMPRESARIAL CONTEMPORÂNEO: ARBITRAGEM E CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.

    A aceleração do comércio e a rapidez no desenvolvimento dos negócios empresariais vêm acarretando mudanças no dia a dia das empresas, daí a busca por um mecanismo de solução de conflitos mais ágil e eficaz, necessidade esta que, cominada com a introdução do § 3º do art. 109 da Lei das S.A., em 2001, acabou por finalmente legitimar o uso do instituto da arbitragem à solução das controvérsias societárias.

    A busca por características como confidencialidade, agilidade e sigilo deveriam incentivar ainda mais o uso da arbitragem para solucionar conflitos empresariais entre acionistas minoritários, acionistas controladores, destes entre si ou entre a companhia e acionistas, dirimindo conflitos entre administradores ou terceiros, protegendo assim as relações internas e externas, fomentando a confiança do mercado e evitando potenciais danos à imagem da empresa.

    O Código Comercial de 1850 já previa a arbitragem como forma de solução de conflito entre os sócios ou acionistas de uma empresa. Inserida no contrato social ou estatuto social ou até mesmo, como é mais usada, em documentos como o acordo de quotistas ou de acionistas, trata-se de instituto já conhecido pela doutrina e jurisprudência pátria.

    Por meio de cláusula compromissória inserida no documento social da empresa, ou em documento apartado, as partes capazes de contratar firmam a cláusula compromissória para solucionar eventuais divergências no cumprimento ou interpretação dos atos constitutivos das sociedades.

    Pela cláusula compromissória, as partes devem acordar em submeter-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, ou a arbitragem ad hoc, optando por regras próprias ou se sujeitando às regras de uma instituição. Dessa forma, quando for invocada, seguirá as normas previamente estipuladas.

    O art. 4º da Lei n. 9.307/96 define a cláusula compromissória da seguinte forma: “A convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. Importante notar que tal determinação é feita in abstracto, ou seja, antes da ocorrência de qualquer conflito. É a predeterminação da via arbitral como a única apta a solucionar quaisquer controvérsias oriundas da interpretação daquele contrato.

    A cláusula compromissória inserida no instrumento contratual é o meio mais adequado para refletir a vontade e a intenção das partes de ter seus conflitos solucionados por arbitragem, devendo-se especificar quais tipos de controvérsias serão solucionados por tal via ou, como costuma acontecer na maioria das vezes, que a arbitragem seja usada para a solução de todas as divergências, dentro dos limites legais.

    No direito Empresarial Contemporâneo, assim como em outros ramos do direito em que a arbitragem pode ser utilizada, as partes podem instituí-la mesmo quando não tiverem inserido cláusula nesse sentido no instrumento social constitutivo, convencionando os termos do procedimento no chamado compromisso arbitral.

    O compromisso arbitral, nos termos do art. 9º da Lei n. 9.307/96, é “a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem”. Assim, uma vez identificada a natureza e a extensão da controvérsia, as partes podem optar por encaminhá-la à arbitragem, mediante a assinatura de um compromisso arbitral. Este difere da cláusula arbitral por se tratar do documento necessário para iniciar o procedimento arbitral, e só pode ser invocado in concreto, ou seja, quando já existe um conflito a ser dirimido.

    Vale ressaltar ser extremamente importante a forma como são elaborados, seja a cláusula ou o compromisso arbitral, devendo sua redação, idioma, conteúdo, local da arbitragem e o órgão arbitral ser predeterminados de forma clara e direta, para que a arbitragem possa cumprir sua finalidade, além de demonstrar com clareza inequívoca a vontade das partes, evitando assim que as sociedades ou seus sócios/acionistas/quotistas venham questionar no Judiciário sua validade.

    Dessa forma, apesar de facultativa a opção pelo juízo arbitral, uma vez adotado por meio de cláusula compromissória ou de compromisso arbitral, as partes se vinculam a esse modo para solucionar suas controvérsias, podendo qualquer delas, a qualquer tempo, requerer a instalação do juízo arbitral para dirimir seus litígios.

    4. A ARBITRAGEM NAS SOCIEDADES LIMITADAS.

    No que tange às chamadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, cujas regras estão definidas no Código Civil brasileiro (arts. 1.052 a 1.087), nosso legislador, pela adoção do parágrafo único do art. 1.053, autorizou a adoção supletiva das regras das sociedades anônimas. Assim, o paralelo entre essas formas torna-se marcante.

    A lei brasileira de arbitragem, em seu art. 4º, § 1º, estabelece que “A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”. Dessa forma, a arbitragem pode ser instituída na sociedade limitada em seu contrato social, visando dirimir conflitos entre sócios, na liquidação da empresa, entre sócios e empresa e até mesmo na partilha de seu acervo.

    Pedro A. Batista Martins comenta: “Por força dos elementos constitutivos, a estipulação do pacto arbitral não deverá, no mais das vezes, enfrentar maiores percalços”.

    Por meio de uma cláusula compromissória inserida em acordo de quotistas de uma sociedade limitada, podem os sócios manifestar a vontade unânime de preservar a empresa, referindo quaisquer controvérsias entre os quotistas a via arbitral, produzindo todo e qualquer efeito até então supostamente tutelado somente pela jurisdição estatal. O arbitro, ou os árbitros, podem decidir quaisquer assuntos, nomear interventores ou mesmo expedir ordens liminares.

    O instrumento no qual constar a utilização da arbitragem para dirimir qualquer litígio, desde que assinado pelos sócios/quotistas, não será passível de qualquer dúvida no que tange à cláusula compromissória e deverá afastar do Judiciário o conhecimento de qualquer causa.

    Inexistindo no contrato social a cláusula compromissória, ou sendo inserida posteriormente a sua constituição por decisão dos quotistas majoritários, somente estes se vincularão à arbitragem como forma de solucionar controvérsias. Aqueles minoritários que não votaram positivamente, assim como aqueles que estiveram ausentes da assembléia ou reunião que adotou tal cláusula ou dela não tiveram notícia, a ela não se vincularão, por se tratar a arbitragem de instituto derivado de declaração personalíssima de vontade, não podendo a decisão de alguns, ainda que a maioria, excluir da parte recalcitrante ou ausente o direito constitucionalmente garantido de resolver suas questões pelo juízo estatal. No entanto, uma vez tendo ciência da existência de tal cláusula, competirá ao sócio a opção de continuar ou não vinculado à empresa, devendo, se nela permanecer, sujeitar-se ao procedimento arbitral.

    É fato cediço que a prerrogativa de ajuizar ações, instituída pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, é passiva de transação de direitos; em havendo concordância tácita ou expressa à cláusula compromissória, o sócio estará vinculado à arbitragem como forma exclusiva para a solução de controvérsias societárias. Não é possível a discordância com a instituição de tal forma de dirimir as questões societárias se aprovado em consonância com o quorum legal ou contratual. O voto negativo ou o mero protesto pela sua não vinculação constituiria justa causa para a exclusão do sócio recalcitrante, ou o autorizaria, nos termos do art. 1.077 do Código Civil, a retirar-se da sociedade voluntariamente, mas não o desobrigaria de sujeitar-se ao procedimento arbitral caso permaneça como sócio da empresa.

    Vale salientar que em 1999, portanto antes da edição do Código Civil de 2002, Arnoldo Wald constituiu uma comissão com o objetivo de elaborar uma lei específica para as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Esse anteprojeto previa em seu art. 4º o que segue: “O contrato social poderá: (…) II – prever: (…) g) a solução por arbitragem dos conflitos entre a sociedade e os sócios ou entre estes, com a indicação da forma pela qual deverá ser realizada”.

    No mesmo projeto, o art. 46 estabelecia: “O contrato social poderá submeter à arbitragem as divergências entre a sociedade e os sócios ou entre estes, especificando as regras aplicáveis”.

    No entanto, tal projeto não foi aprovado, e o Código Civil é silente quanto a esse aspecto. Em casos de omissão, podemos afirmar que a eleição da arbitragem como forma de solução de controvérsias não é vedada pelos dispositivos de lei que hoje regem as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, desde que as partes tenham anuído com tal forma de solução de litígios, o objeto da arbitragem esteja restrito a questões de ordem patrimonial e sejam relativos a direitos que sejam disponíveis pelas partes.

    5. A ARBITRAGEM NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS.

    A Lei de Sociedades Anônimas, Lei n. 6.404/76, em diversos momentos destaca expressamente a arbitragem.

    O art. 109, § 3º, introduzido pela Lei n. 10.303/2001, estabelece que “O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre acionistas e a companhia ou entre os acionistas controladores e os minoritários, poderão ser solucionados mediante arbitramento, nos termos em que especificar”.

    Nos termos da lei, existe a possibilidade de solucionar conflitos entre acionistas minoritários, acionistas controladores ou controvérsias entre a companhia juntamente com seus acionistas e administradores pela via arbitral.

    Maria Eugênia Finkelstein expõe que “as Sociedades Anônimas são constituídas por meio de um estatuto social (…), que é a lei máxima que rege a vida da companhia e a relação desta com seus acionistas. É no estatuto social que se encontram disposições gerais que regulam o funcionamento da companhia”.

    Assim, forçoso afirmar que a natureza jurídica do estatuto social é contratual. Dessa forma, havendo consenso quanto ao uso da prerrogativa legal da inserção da arbitragem para dirimir controvérsias no seio da sociedade e havendo cláusula contratual nesse sentido, há de se afirmar que essa determinação faz lei entre as partes (pacta sund servanda). A assembléia de acionistas é soberana ao ditar os rumos da sociedade, e, havendo a aprovação desse órgão, seja na constituição desta, seja em aditamento aos seus atos constitutivos, todas as partes que desejam permanecer na companhia devem submeter-se a tal forma de solução de controvérsias.

    Corroborando o posicionamento anteriormente exposto, que classifica a eleição da via arbitral como exercício de direito personalíssimo que necessita da anuência ou da declaração de vontade do sócio de submeter-se a tal meio, faz-se necessário expor que existem dúvidas quanto à vinculação deste ao procedimento arbitral por novos acionistas ou acionistas recalcitrantes, em detrimento da proteção de direitos essenciais (assim como os não essenciais) pela via judiciária.

    Doutrinadores como Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik defendem que a cláusula compromissória deve ser especificamente aprovada, por escrito, pelos sócios que ingressam posteriormente na sociedade, sob pena de sua invalidade.

    A questão da submissão dos novos acionistas ao procedimento arbitral estatuído em segundo momento gera dúvidas no que diz respeito à necessidade de convalidação em documento apartado, revestido de formalidades adicionais para garantir à sociedade e à totalidade dos sócios sua submissão à arbitragem. Por óbvio que a existência de tal documento é recomendável, mas não nos parece ser imprescindível.

    Carvalhosa e Eizirik afirmam que a submissão erga omnes dos sócios a uma cláusula compromissória “não vincula os acionistas que não tenham inequívoca, livre e expressamente contratado a referida cláusula ou a ela expressamente aderido, nos termos do § 2º do art. 4º da lei n. 9.307/96”. Todavia, a mensagem legislativa que norteia essa determinação da lei de arbitragem pressupõe tratar-se essas formas contratuais de contrato comerciais, e, no mais das vezes, de relações de consumo, o que não pode nem deve ser tomado com paralelo nesta discussão.

    Tal situação é também distinta daquela prevista na legislação italiana (Decreto Legislativo n. 5, de 17 de janeiro de 2003), que contém dispositivos próprios para a arbitragem em matéria societária e determina que, uma vez aprovada a cláusula compromissória, esta vinculará todos os sócios.

    Uma vez que a cláusula compromissória consta do estatuto da companhia, ou nela é introduzida a posteriori, os novos acionistas não precisam demonstrar em documento separado que concordam com a inserção de arbitragem para solucionar conflitos societários. Uma vez demonstrada de boa-fé, a ciência inequívoca de que a parte teve acesso ao texto do documento constitutivo da obrigação de arbitrar conflitos, a parte deve ou anuir com tal prerrogativa ou retirar-se da sociedade, uma vez que arbitragem é a forma preferida por ela para solucionar seus conflitos. Nesse caso não se trata da prevalência da vontade individual da parte, mas sim da vontade da pessoa jurídica, representada pelo voto positivo da maioria dos sócios. Não se trata de imposição do juízo arbitral, mas sim de uma opção da empresa à qual a totalidade dos acionistas deve sujeitar-se.

    Uma vez que a assembléia dos acionistas, órgão deliberativo máximo da sociedade, reúne-se e decide alterar a forma de exercício de um direito, sem, no entanto, suspendê-lo, essa passa a ser a vontade da companhia. Assim, a declaração de vontade do sócio discordante deverá ser negativa, mas sua vontade individual não poderá sobrepor-se à vontade da maioria, que representa a vontade da companhia.

    À assembléia compete “discutir, votar e deliberar sobre qualquer assunto do interesse social”. O cumprimento com o quorum prescrito na lei, ou no estatuto social, é que determina os limites da decisão. Se em consonância com tal prescrição legal, a decisão que impõe conduta diversa da anteriormente contratada vincula a totalidade dos sócios.

    A lei não determina que nas arbitragens societárias a declaração deva ser expressa, nem veta a renúncia tácita, instituto já consagrado no direito brasileiro. A vontade de se submeter ao procedimento arbitral pode ser implícita, desde que seja inequívoca. O protesto com o condão de preservar um direito anteriormente estatuído, da mesma forma, não produzirá os efeitos almejados.

    A retirada do sócio inconformado, a despeito de não se inserir no rol das causas possíveis do art. 137 da Lei das S.A., justificar-se-ia por haver alteração essencial na mecânica operacional e supressão de direito adquirido, direito este elencado entre aqueles do art. 5º da Constituição Federal, ao qual a parte não deseja renunciar, mas cuja alteração e validade resta autorizada por lei e pela vontade soberana da maioria do capital social. É o único remédio eficaz, uma vez que a compulsoriedade da arbitragem como forma de solucionar controvérsias seria uma violência ainda maior. Por existir omissão da lei com relação ao caso em comento, o juiz deverá valer-se da analogia, do costume e dos princípios gerais do direito para autorizar a retirada do sócio descontente.

    Modesto Carvalhosa afirma que não pode a cláusula compromissória estatutária negar o direito de ingresso em juízo de qualquer acionista que não tenha expressamente aderido a essa mesma cláusula, na forma prescrita na lei, e que são partes, para efeitos de celebração de cláusula compromissória estatutária, a própria sociedade e os acionistas que expressamente concordaram com essa substituição do foro judicial pelo arbitral.

    A questão essencial é a forma da manifestação da vontade, que é inequívoca quando da assinatura do estatuto, impossibilitando alegar falta de conhecimento da cláusula compromissória, enquanto o novo acionista deve, por meio de declaração expressa ou reconhecimento tácito, manifestar seu consentimento, aceitando e reconhecendo assim que o compromisso arbitral é válido. Da mesma forma, a alteração do estatuto social visando criar tal cláusula somente vinculará o sócio ausente caso ele tenha recebido convocação para assembléia contendo na pauta deliberações quanto à inserção de cláusula compromissória, assim como o extrato ou cópia da ata que votou favoravelmente a sua inserção ou por outro meio tenha acesso a tal modificação dos atos constitutivos da sociedade. Ao sócio que votou negativamente à inserção da cláusula compromissória somente caberá retirar-se da sociedade ou, ainda que a contragosto, sujeitar-se ao procedimento arbitral.

    Ou seja, a cláusula compromissória obriga a todos que dela têm ciência, inclusive aqueles que votaram contrariamente à sua inserção e optaram por permanecer no quadro societário, uma vez que a ciência inequívoca da sua existência vincula todos à decisão soberana da assembléia. A vontade da maioria deverá prevalecer, desde que preservados os direitos dos descontentes, direito este restrito a retirar-se da sociedade caso não aceite a adoção da cláusula compromissória. Uma vez que o estatuto social tem força de lei, vinculando a totalidade dos sócios e a sociedade, a liberdade da parte está severamente limitada no tocante à forma de solucionar as suas controvérsias, devendo submeter-se à forma escolhida pela assembléia geral.

    6. A ARBITRAGEM EM OUTROS TIPOS SOCIETÁRIOS.

    A via arbitral pode também ser utilizada em outras estruturas societárias, diversas daquelas até agora tratadas, uma vez que, inserida a cláusula compromissória no instrumento constitutivo da forma associativa, as partes demonstram sua vontade inequívoca de instituir a arbitragem no caso da eclosão de um conflito. A sua validade justifica-se por se tratar de forma de solução de controvérsia não defesa em lei, autorizada nos termos da Lei n. 9.307/96 e, ainda, supletivamente, pela aplicação da Lei das S/A.

    Formas societárias como a sociedade simples, o consórcio, a sociedade em conta de participação e o grupo de sociedades deveriam cada vez mais incluir a arbitragem em seus contratos constitutivos, visando recorrer a tal método para solucionar controvérsias futuras em vez de recorrer ao Judiciário.

    Tal fato, ou melhor, a expectativa de que cada vez mais empresas recorram à arbitragem como forma de solução de suas controvérsias contratuais, fomentou a criação e a ampliação de algumas câmaras arbitrais, como a Câmara da Bovespa e a SP Arbitral, da Junta Comercial do Estado de São Paulo e FECOMÉRCIO. Uma das formas de assegurar que a arbitragem evolua sempre é fornecer ao mercado instituições sérias e preparadas aos desafios da arbitragem.

    As vantagens demonstradas pela via arbitral também atraem os que utilizam esses tipos diversos e menos utilizados no direito societário pátrio, uma vez que tais sociedades implantam a cláusula compromissória como forma de garantir celeridade e sigilo em suas possíveis controvérsias, o que demonstra a efetividade do instituto.

    É necessário salientar, porém, que esses tipos societários, assim como as sociedade anônimas, podem ter a cláusula compromissória estipulada posteriormente, em documento apartado, por isso dúvidas e questionamentos posteriores devem ser analisados para que ocorra o cumprimento da efetividade da arbitragem.

    Essa forma de solução de controvérsias não deve ser confundida com arbitragem de questões trabalhistas ou consumeristas, por envolver potenciais direitos indisponíveis, ou com a “Corporate Complaint System” do direito norte-americano, pois este é um sistema de solução de controvérsias entre a empresa e seus empregados, principalmente os não sindicalizados, e não da empresa e seus sócios, foco da arbitragem empresarial.

    7. CONCLUSÃO.

    A arbitragem já se fixou como excelente opção privada para solução de controvérsias aos operadores do comércio, sendo quase uma regra nos contratos comerciais internacionais.

    Recente mudança legislativa ocorrida no Brasil, introduzindo um estatuto próprio à arbitragem, reforçado por alteração na Lei das S.A., propiciou as formas associativas de o direito brasileiro introduzir a arbitragem como forma de solução de suas controvérsias, consubstanciado ao Direito Empresarial Contemporâneo.

    A dificuldade reside em definir se os sócios que não optarem por ter a arbitragem como forma de solver suas controvérsias vinculam-se a tal método ou preservam os direitos, consagrados pela Constituição Federal, de acionar a parte discordante em juízo.

    Concluímos que a decisão da sociedade de referir à arbitragem seus conflitos internos deve sempre ser tomada pelo juízo arbitral, cabendo ao sócio discordante o direito de se retirar da sociedade, inclusive nas S/A.

  • Autonomia do direito empresarial

    Autonomia do direito empresarial

    A autonomia formal ou legislativa assenta que um ramo do direito pode ser tido como formalmente autônomo se radicado em uma lei especificamente editada para abriga-lo. Conforme esse parâmetro, indispensável seria para que esse direito comercial obtivesse sua autonomia formal, a existência de um código exclusivamente seu.

    Das três manifestações de autonomia, a autonomia formal é a menos relevante[35]. O fato de ramos jurídicos cientificos e substancialmente autônomos estarem disciplinados no texto legal, como é o caso brasileiro com o CC/02, não importa necessariamente na sua unificação. Apenas revela a opção político-legislativa feita em determinado momento e circunstância histórica, nada mais que isso.

    No caso do Brasil, a CF/88[36] atribui à União a competência exclusiva para legislar sobre Direito Comercial (art. 22, I), que deve realizá-la em conformidade com uma das espécies legislativas admitidas pelo processo legislativo constitucional (art. 59), vale dizer, sob a forma de leis – que podem ser ordinárias, delegadas ou complementares –, emendas à constituição, medidas provisórias, ou decretos e resoluções legislativas.

    É preciso observar que o processo legislativo pátrio não considera ‘código’ como uma espécie legislativa em si. Destarte, no direito brasileiro, um código deve revestir-se sempre de uma daquelas espécies legislativas supraindicadas, observadas as atribuições constitucionais sobre competência legislativa.

    O CCom, nesse sentido, será, pois, uma lei e estará sujeito ao mesmo regime que qualquer outra lei da mesma estatura se submete; vale dizer, o vocábulo código, pelo menos do ponto de vista legislativo, não confere ao diploma legal nenhum “tratamento especial”, senão por uma minúscula exceção, que reside apenas no procedimento interno das casas legislativas, prevendo em regra prazos mais dilatados e possibilidade de prorrogações entre os atos do processo legislativo[37] sobre o procedimento de aprovação de código.

    No que respeita à questão da autonomia formal, essa situação acaba reduzindo sua importância, na medida em que, para que uma lei seja editada com validade, vigência e eficácia, basta que haja estreita observância aos ditames constitucionais do processo legislativo – sendo, dessa maneira, indiferente se na ementa da lei conste expressamente o vocábulo código, ou se, no seu articulado, existam livros, capítulos ou seções destinados à disciplina de objetos jurídicos distintos.

    Assim, apenas a promulgação de um novo código devolveria, do ponto de vista formal e legislativo, a autonomia ao Direito Comercial; por outro lado, do ponto de vista da autonomia substancial, é irrelevante se o conjunto de normas voltadas à regulação das transações empresariais está encartado em leis esparsas, ou num código civil ou mesmo concentradas num código comercial.


    7.      AUTONOMIA SUBSTANCIAL:

    A autonomia substancial, por outro lado, é a que interessa verdadeiramente[38], já que tem o condão de demonstrar a particularidade dos princípios próprios de uma matéria em relação às demais. A autonomia substancial associa-se à noção de autonomia jurídica ou científica e se caracteriza pela especificidade de preceitos, métodos e princípios atrelados ao complexo de normas constituintes da matéria, capaz de isolá-la cientificamente das restantes. Por tal crivo, ressai de modo inconteste a autonomia substancial exibida pelo Direito Comercial, sobretudo na atualidade, porquanto “possui o direito comercial traços que o tornam inconfundível.”[39]

    A autonomia substancial, conforme Giuseppe Terranova “non è qualcosa che delimita dal’esterno la materia, ma si radica in un complesso d’assiomi, di conoscenze e dogmi generalmente accettati, che condizionano dall’interno il lavoro dell’interprete. I principi – anche quelli del diritto commerciale – non possono sfuggire alla logica di setore.” [40] É essa lógica interna, derivada dos princípios que revela a autonomia substancial do Direito Comercial.

    Ascarelli[41] mostra algumas de suas características que ao longo da história destacaram o Direito Empresarial do direito comum:

    “(i) a omnipresença da noção de ‘mercado’ e sua vocação internacional, a revelar certa uniformidade nos ‘direitos comerciais’ estrangeiros; (ii) a preocupação em facilitar a circulação de bens, direitos, e riscos, tendo sempre em conta o entrosamento das relações de débito e crédito daí originadas; (iii) a atenção aos negócios entabulados profissional e sistematicamente, massificados, mediante uma organização (a empresa); (iv) a concepção da responsabilidade limitada (autonomia patrimonial); (v) a prevalência da autonomia contratual e a presunção de onerosidade; (vi) o desvelo em relação aos fenômenos creditícios, com especial atenção à figura do credor (tutela dos credores na falência, por exemplo); (vii) a tendência à simplificação, racionalização e despersonalização dos institutos juscomercialistas.”

    Essas características, válidas ainda hoje, resumem bem o núcleo conceitual do Direito Comercial.

    Em idêntico sentido, Waldemar Ferreira, que explica:

    “Direito consuetudinário em sua origem histórica, por isso mesmo liberal e equitativo, tendendo para unidade, em seu universalismo inato, o comercial extrema-se do civil pela variedade dos seus institutos, que não caberiam e não couberam nos códigos unificadores dos contratos e obrigações. Bolsas. Armazéns-gerais. Bancos. A conta corrente. A abertura de crédito. As operações cambiárias. As bancárias. As bolsísticas. A falência. Eis institutos e contratos fundamentais, caracteristicamente mercantis, a justificarem cabalmente existência autônoma e imperecível do direito comercial, econômico por excelência.”[42]

    Por ser um fenômeno fático, social e histórico[43], a autonomia substancial do Direito Empresarial implica a necessidade de (i) se reconhecer o conteúdo peculiar das normas qualificáveis doutrinariamente como sendo de Direito Empresarial, independentemente de sua fonte legislativa e, diante desse reconhecimento, (ii) se proceder à interpretação daquelas normas de modo igualmente diferenciado, isto é, consentaneamente aos princípios do Direito Empresarial[44] e não aos do direito privado comum.


    8.      CRITÉRIO DISTINTIVO DA AUTONOMIA SUBSTANCIAL DO DIREITO EMPRESARIAL – A COMERCIALIDADE OU EMPRESARIALIDADE:

    O conteúdo substantivo do Direito Empresarial, acumulado ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, reúne, como afirmado acima, institutos jurídicos heterogêneos entre si – como seguros, títulos de crédito, sociedades, contratos empresariais, tribunais de comércio, falências, bolsa e banco etc. –, mas que, por outro lado, ostentam um “denominador comum” entre todos eles. Por isso se pode afirmar que “[a] existência do direito mercantil como ramo jurídico autônomo justifica-se em função da especialidade técnica do fenômeno econômico por ele regulado”[45].

    Francesco Galgano[46] explicando as origens históricas do Direito Comercial, assinala que Direito Comercial nunca regulamentou hermeticamente toda a matéria relativa ao comércio, nunca tendo sido, portanto, um sistema autossuficiente. Pelo contrário, sempre fez uso subsidiário às normas de direito comum nas suas várias fases históricas: na idade média, remetia-se subsidiariamente ao corpus iuris, já na idade contemporânea, os códigos de comércio, ao estabelecerem que a ‘matéria comercial’ deveria ser primeiramente tratada pelo código comercial e costumes comerciais, admitiam recurso subsidiário ao código civil. Com efeito, prossegue o jurista:

    “L’essenza della <<commercialità>> di questa” partizione del diritto non si coglie in una visione sincronica del diritto privato, ditinguendola ratione materiae dal diritto civile; la se coglie se ci si dispone in una prospettiva diacronica: il diritto commerciale appare, allora, come l’innovazione giuridica introdotta nella regolazione dei rapporti economici, l’insieme delle <<speciali>> regole del commercio che, nelle diverse epoche storiche, la classe mercantile ha direttamente fondato o ha preteso dallo Stato; e sono assai spesso, regole destinate a tradursi, nelle epoche successive, in diritto privato comune, a diventare diritto civile.”[47]

    No mesmo sentido, Van Caenegem, segundo o qual:

    “[w]estern ius mercatorum (commercial law) was largely shaped at the great international trade fairs, in particular those of Champagne in the twelfth and thirteenth centuries; ancient practices turned into generally recognized usages and rules, for example in the case of bills of exchange. Contributions to the formation of European commercial law were also made by the rules of merchant corporations, as well as by the two great families of maritime law, that of the Mediterranean lands, where the lex Rhodia and the Consulat de Mar were observed; and that of the north of Europe, where the ‘Roles d’Oleron’ and the maritime law of Damme and Wisby were followed. Merchants had their own jurisdictions, market and maritime courts (Consulat de Mar), in which rules of commercial law were applied, and merchants were judged by their peers.”[48]

    Historicamente, como se vê das lições supramencionadas, a comercialidade – isto é, a aptidão de determinada atividade social ser regulada não pelo regramento comum (civil), mas por um conjunto normativo especial (comercial) – passou por fases: numa primeira, a comercialidade era subjetiva, dependente da qualidade pessoal do comerciante matriculado na corporação de ofício; numa segunda, a comercialidade foi objetivada na teoria dos atos de comércio; e, numa terceira, foi relativizada, com a adoção da teoria da empresa.

    A partir desse enquadramento histórico, é possível afirmar que o “denominador comum” alhures mencionado consubstancia-se efetivamente nos princípios jusmercantis, que funcionam como vigas mestras do Direito Empresarial, ordenando e dando unidade sistêmica àqueles institutos díspares acima enumerados. Corroborando com conclusão, Ascarelli, para quem “[a] explicação da autonomia do Direito Comercial não está apenas em peculiaridades técnicas necessariamente inerentes à matéria por ele regulada, mas na peculiaridade dos seus princípios jurídicos.”[49]

    Simílimo é o entendimento de Roy Goode, que, a partir de uma visão jurídica anglo-saxônica, aduz o seguinte:

    “I believe that commercial law does exist and that it embodies a philosophy, not always very coherent but nonetheless present, and fundamental concepts, not always very clearly articulated but nonetheless helping to implement that philosophy and to serve the needs of the business community. By the philosophy of commercial law I mean those underlying assumptions of fairness and utility which inform commercial law and run like a thread through its different branches. By concepts of commercial law I mean those principles of law, whether the common law or legislation, which are a particular response to the needs of the commercial community and thus apply with special vigour to commercial transactions, even though they are capable of application to noncommercial dealings.”[50]

    Tais princípios, por sua vez, têm coerência entre si por gravitarem em torno de uma ideia central, imanente ao Direito Empresarial, desde a sua origem até hoje, que se irradia por toda sua extensão. Essa ideia central é o mercado, na sua concepção jurídica.

    Direito Empresarial hoje é, pois, o direito do mercado, aí se radicando a noção atual de comercialidade, na medida em que seu objeto são as relações interempresariais que ocorrem dentro da ordem jurídica constituída pelo mercado.

    Cabe notar ademais que:

    “è sicuramente corretta l’osservazione secondo la quale l’attività umana e quindi l’atto di autonomia privata è giuridicamente rilevante nei limiti, per le ragioni e agli effetti riconosciuti e tutelati dall’ordinamento giuridico, con la conseguenza che il mercato è disciplinato dalle leggi vigenti, ma è pur vero che il compilatore [no caso, codificador dos projetos de Ccom já indicados], nelle scelte di politica legislativa dirette ad incidere normativamente sulla realtà mercantile, deve tenere ben presenti gli elementi prodotti da tale realtà e gli interessi economici in essa immanenti.”[51]

    Roy Goode, sobre a íntima relação entre mercado e Direito Empresarial ensina o seguinte:

    “Commercial law is influenced by the concept of a market in a variety of ways. Parties dealing in a market are deemed to contract with reference to its established and reasonable customs and usages, which can have the effect of giving a special meaning to ordinary words, of importing rights and obligations not normally implied, of permitting tolerances in performance which would not be accepted in the general law of contract and of expanding or restricting remedies for a shortfall in performance, as where a small deficiency in quantity or quality is compensatable by an allowance against the price, to the exclusion of the remedy of termination of the contract. The market price is taken as the reference point in computing damages against a seller who fails to deliver or a buyer who fails to accept the subject-matter of the contract, and a party who reduces his loss by a subsequent sale at a higher price or a subsequent purchase at a lower price is not normally required to bring this saving into account, contrary to the normal contract rules as to mitigation of damages. The problem for commercial law is to define the manner in which a usage of the market is to be established, a matter that can be of great difficulty but on which much may turn.”[52]

    Por outro lado, há que ter em mente que a ideia de mercado não pode ser dissociada da ideia de política e de direito, segundo Natalino Irti[53]. A decisão por esta ou aquela ordem econômica refletirá no mercado. Essa decisão materializa-se sob a forma de leis, que assim dão forma o mercado. O mercado é um locus artificialis, não um locus naturalis, ou seja, é um sistema de relações regido e constituído pelo direito (IRTI, 2001, p. 67). Mercado é uma “unità giuridica delle relazioni di scambio, riguardanti um dato bene o date categoria di beni” (IRTI, 2001, p. 81).

    Do ponto de vista político, o Direito Empresarial pode ser considerado como o direito do capitalismo (capitalismo aqui entendido em termos genéricos, como o regime de produção de riqueza baseado na propriedade privada, na livre iniciativa, na divisão do trabalho e nas trocas livres entre indivíduos). Assim, não apenas o mercado, mas conceitos como, crédito, lucro, risco lhe são também indissociáveis: mercado, porque, como aludido acima, é o locus onde ocorrem as trocas; crédito, porque mobiliza a riqueza; lucro, porque incentiva o exercício da livre iniciativa; e risco, porque é inerente à atividade empresarial e justifica o apropriação do lucro eventualmente angariado, nos moldes da fórmula ubi periculum ibi et lucrum collocetur. Esses elementos podem ser compreendidos como as variadas manifestações do etos capitalista do mercado, da sua dinâmica e lógica próprias, no qual o Direito Comercial se desenvolveu historicamente e que lhe confere razão de ser. Neles repousa a comercialidade (ou empresarialidade) que justifica a autonomia substancial do Direito Empresarial.

  • O nome empresarial e os sinais distintivos da atividade empresarial

    O nome empresarial e os sinais distintivos da atividade empresarial

    INTRODUÇÃO

    A atividade empresarial, por meio do trabalho e da inteligência de seu explorador (empresário, sociedade empresário ou EIRELI), desenvolve e cria sinais ou signos, os quais permitem a sua individualização no mercado.

    Esses sinais, então, adquirem importância econômica, atraindo a proteção e a atenção do Direito, porquanto importam na atração da clientela e, conseguintemente, a geração de riquezas. É ventilado aos quatro cantos que certas marcas valem mais do que a própria empresa, como a coca-cola, por exemplo. Sem proteção legal se estancaria o próprio desenvolvimento econômico, tão caro à sociedade capitalista. É que não se predisporiam a desenvolver novos sinais e produtos, porque deles não poderiam usufruir com exclusividade.

    Aqui vale um destaque especial. Empresa é a atividade explorada pelo empresário, seja individual, seja sociedade empresária, seja a novel EIRELI. Empresa não é pessoa (ver art. 44 do CC/02!). Empresa é a atividade econômica organizada. Logo, em seu sentido técnico, não possui CNPJ, não contrata e tampouco pode ser parte em um processo.

    Há três sujeitos possíveis para a empresa: empresário individual (art. 966, CC/02), a sociedade empresária (art. 982, CC/02) e a EIRELI (art. 980-A). Esses os figurinos legais possíveis para os que desejam explorar uma atividade econômica organizada.

    Pois bem. Cada um desses sinais distintivos possui sua disciplina legal, que lhes confere um desenho jurídico próprio, que inclui a definição, a proteção, a vigência etc.

    Os principais signos identificam a atividade empresarial a partir do sujeito, do local e do produto ou serviço. É dizer, o nome empresarial, o nome fantasia e a marca.

    Numa visão didática, individualiza-se, no mercado, a atividade empresarial assim:

    1.  Sujeito: nome empresarial. Popularmente e equivocadamente chamado de razão social. O empresário individual, a sociedade empresária e a EIRELI, vale dizer, os sujeitos da empresa, são identificados pelo nome empresarial. Exemplo: Companhia Brasileira de Distribuição é o nome empresarial do sujeito que explora o hipermercado EXTRA.
    2.  Local: nome fantasia. É o sinal distintivo da atividade empresarial que individualiza o local onde a empresa é explorada. Por vezes, não se sabe quem é o empresário por detrás daquele local, mas o nome fantasia já é suficiente para que se conheça e se interesse por ir até lá e adquirir seus produtos ou serviços. Exemplo: PONTO FRIO. É o título de estabelecimento ou o nome fantasia das lojas do empresário Globex Utilidades S/A.
    3.  Produto ou serviço: marca. É o signo que identifica o produto ou o serviço. Disciplinada pela Lei 9.279/96, a Lei da Propriedade Industrial. Quantos adquirem um produto ou serviço sem ter a mínima ideia de quem é a pessoa o fabrica, pois a marca já é o necessário para atrair os consumidores. Não se indaga, normalmente, quem é o empresário, bastando a marca.

    Sobreleva destacar que é possível que coincidam. Vale dizer, a hipótese em que a atividade empresarial é identificada a partir do mesmo sinal. É o caso do CARREFOUR, que é o nome empresarial, o nome fantasia e, ainda, a marca de produtos.

    O foco deste trabalho é o nome empresarial.

    O NOME EMPRESARIAL

    2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

    Como dito, o nome empresarial é o signo distintivo que identifica o sujeito da atividade empresarial, aquele que explora a empresa.

    A disciplina legal encontra lugar nos artigos 1.155 ao 1.167, do CC/02, bem como nos arts. 33 e 34 da Lei 8.934/94. Sugere-se uma leitura a esses dispositivos legais.

    Todo empresário deve escolher um nome empresarial, o qual deverá ser indicado no momento do registro. Sob tal sinal é que se apresentará ao mercado e que contrairá obrigações. Se quiser desvendar o empresário que explora determinada atividade, descubra seu nome empresarial. Ninguém proporá uma ação contra o EXTRA hipermercado, mas sim contra a pessoa respectiva, ou seja, Companhia Brasileira de Distribuição.

    Há duas espécies de nome empresarial, conforme se extrai do art. 1.155: firma ou denominação. Noutras palavras, o empresário, sob qualquer de suas formas, deverá eleger uma dessas espécies para explorar sua atividade. É bom que se diga que, como se verá adiante, não vigora nesse ambiente a plena liberdade de escolha.

    No quotidiano, contudo, cristalizou-se outra cena. É que diz-se apenas razão social. Como se razão social fosse a única espécie de nome empresarial. A lei (art. 1.155) não adota essa designação. Trata-se de um sinônimo de firma social, sem, contudo, respaldo em lei.

    Finalmente, o nome empresarial deve observar dois princípios, conforme estatuído no art. 34 da Lei 8.934/94, a saber: novidade e veracidade. O primeiro indica que o nome deve ser distinto de outro já registrado. O segundo diz que o nome não pode empregar inverdades (na firma: o nome do empresário ou dos sócios; na denominação: palavra indicativa da atividade).

    2.2. AS ESPÉCIES DE NOME EMPRESARIAL

    O art. 1.155 enuncia que o nome empresarial poderá ser da espécie firma ou denominação. De pronto, ressalte-se que o empresário individual somente pode adotar firma (art. 1.156), a sociedade empresária limitada (art. 1.158) pode constituir-se sob firma ou denominação, a sociedade anônima (art. 1.160) somente denominação e, finalmente, a EIRELI (§ 1º, do art. 980-A, do CC/02) poderá utilizar firma ou denominação.

    FIRMA

    Historicamente, a firma sempre coube ao comerciante individual (hoje empresário individual) e às sociedades que possuíam sócios de responsabilidade ilimitada, a fim de que se soubesse, de antemão, os que respondiam subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

    A partir da sociedade limitada, essa regra restou temperada.

    Didaticamente, tem-se a firma individual, do empresário individual, e a firma social ou razão social, de algumas sociedades e da EIRELI.

    O empresário somente pode constituir-se sob firma (art. 1.156). A firma individual é formada com o próprio nome do empresário, abreviado ou por extenso, vedada a abreviação do nome de família. Admite-se a inclusão de palavra que melhor lhe individualize. Hoje, é comum a adição ao nome civil do CPF, a fim de alcançar-se a teleologia da norma, evitando-se, ao demais, o ferimento do princípio da novidade (em razão de homônimos). Exemplo: José Afonso da Silva – 111.134.225-55 (com ou sem ponto!).

    As sociedades que adotam firma social utilizarão para a sua conformação o nome dos sócios. Exemplo: a sociedade formada por José Reis, Antônio Álvares e Fernando Botelho.

    Conforme dispõe o art. 1.157, o nome empresarial pode ser formado assim: (i) José Reis, Antônio Álvares e Fernando Botelho; ou (ii) José Reis e cia.

    O problema da firma social é que é da essência das sociedades a entrada e saída de sócios. Logo, se se adotar firma, a todo o momento deverá ser alterado o nome, em atenção ao princípio da veracidade.

    Assim, as sociedades que têm a faculdade de escolher firma ou denominação devem preferir esta última. É o caso da limitada, a qual responde por mais de 97% das sociedades constituídas.

    Na EIRELI, a firma é formada pelo nome da pessoa que a constitui, acrescida da expressão “EIRELI” ao final. Exemplo: João Ferreira da Silva – EIRELI.

    DENOMINAÇÃO

    A denominação é outra espécie de nome empresarial. Utilizam-na, principalmente, a limitada, a S/A e a EIRELI.

    Pelo princípio da veracidade, a denominação deve contemplar uma palavra ou expressão designativa da atividade explorada e é formada a partir da seguinte equação: PALAVRA FANTASIA + ATIVIDADE + LTDA./S.A./EIRELI.

    Exemplos: (1) Panificadora Pão de Mel Ltda.; (2) Banco do Brasil S/A; e (3) Construtora Eficaz EIRELI.

    Importantíssimo anotar, a teor da norma do § 2º, do art. 1.158, do CC/02, que na limitada admite-se a inclusão, na denominação, do nome de um ou mais sócios. Exemplo: Lanchonete João Gomes Ltda.

    CONCLUSÃO

    A atividade empresarial é destacada no mercado através de vários sinais distintivos. Cada um desses sinais individualiza um elemento da empresa. O sujeito é individualizado pelo nome empresarial. O local pelo nome fantasia ou título de estabelecimento. O produto ou serviço por meio da marca.

    Não se desconhece a importância econômica da proteção a esses signos, como mecanismo de incentivo à atividade econômica. Cada qual com seu regime jurídico.

    O nome empresarial é o sinal que identifica quem explora a empresa. É a pessoa física ou jurídica que explora a atividade econômica organizada. São espécies a firma e a denominação.

    A razão social, embora seja a locução usada no dia-a-dia, não tem assento na lei.

    Os princípios norteadores – novidade e veracidade – permitem o atingimento da finalidade legal, atraindo para o empresário honesto e trabalhador boa fama, reconhecimento e distinção no competitivo ambiente empresarial.

    Fonte : Jus

  • Sucessão empresarial inter vivos

    Sucessão empresarial inter vivos

    A sucessão empresarial inter vivos é a transferência de propriedade do estabelecimento comercial, através de particular contrato de compra e venda, denominado trespasse, ou pela cessão de quotas de sociedade limitada, ocorrida entre empresários vivos e habilitados ao exercício da atividade empresária.
    O objetivo deste capítulo consiste em identificar aspectos fundamentais da sucessão empresarial, sua evolução, conceituação e formas de ocorrência no ordenamento jurídico brasileiro.

    3.1 Evolução histórica da sucessão empresarial

    O direito de diversos países preocupa-se em disciplinar a alienação do estabelecimento empresarial, com a finalidade precípua de tutelar os interesses dos credores (COELHO, 2010).
    Na Alemanha, o Handelsgesetzbuch, de 1897, contempla regra que importa responsabilidade ao adquirente do estabelecimento empresarial pelas obrigações do alienante, quando mantido o nome empresarial. Por sua vez, o direito francês, desde 1909, admite que os credores do alienante se oponham à venda do estabelecimento (COELHO, 2010).

    De forma diversa, na Argentina, desde 1934, a lei não admite que o preço de venda do estabelecimento seja inferior ao total do passivo do alienante, sendo que o pagamento não pode ser realizado senão depois de transcorridos dez dias da publicação do anúncio de venda. Por fim, o direito italiano define que o adquirente se sub-roga em todas as obrigações ativas e passivas do alienante, salvo as de caráter pessoal e as expressamente ressalvadas no contrato (COELHO, 2010).
    No Brasil, até a entrada em vigor do Código Civil, considerava-se que o passivo não integrava o estabelecimento comercial. Dessa forma, como consequência, a regra vigente era a de que o adquirente não se tornava sucessor do alienante, ou seja, os credores de um empresário não podiam, em princípio, pretender o recebimento de seus créditos de outro empresário que não o devedor originário (COELHO, 2010).
    Ademais, de acordo com os ensinamentos do mesmo autor (2010, p.118), a partir da entrada em vigor do Código Civil brasileiro, ressalta-se o seguinte:
    Altera-se por completo o tratamento da matéria: o adquirente do estabelecimento empresário responde por todas as obrigações relacionadas ao negócio explorado naquele local, desde que regularmente contabilizadas, e cessa a responsabilidade do alienante por estas obrigações no prazo de um ano (art. 1.146).
    A sucessão empresarial promovida pelo contrato de trespasse foi uma praxe constante durante a Primeira Grande Guerra, circunstância essa que levou o legislador peninsular a dispor sobre a alienação do estabelecimento comercial no Codice Civile de 1942, principalmente no tocante a suas implicações obrigacionais (FÉRES, 2007).
    Na França, antes mesmo da Primeira Grande Guerra, já havia uma sistemática específica para a alienação do fundo de comércio. A Alemanha já se ocupa a muito tempo do tema no bojo do HGB (FÉRES, 2007).
    Não obstante, além desses ordenamentos supra referidos, o argentino e o italiano, igualmente, tratam de normas a respeito do negócio translativo incidente sobre o estabelecimento comercial (FÉRES, 2007).

    3.2 Conceituação de sucessão empresarial

    Primeiramente, impositivo promover o estudo morfológico do termo sucessão. Esse assume diversos significados na língua portuguesa, entre os quais podem ser assinalados: sucedimento, substituição, colocar algo ou alguém no lugar de outro, dentre outros (FÉRES, 2007).
    Em um conceito jurídico, a sucessão nada mais é do que o fenômeno de substituição de um sujeito da relação jurídica por outro, permanecendo vivo o negócio para operar seus efeitos diante do novo sujeito. Logo, a sucessão no campo do direito significa a transmissão de direitos e obrigações de uma à outra pessoa (FÉRES, 2007).
    Ademais, quanto às espécies de sucessão, essas são classificadas em causa mortis e inter vivos (FÉRES, 2007). Consoante já referido na introdução a este capítulo, a presente pesquisa abordará apenas a sucessão inter vivos.
    A sucessão inter vivos tem lugar em fato distinto da morte. Ela ocorre quando os sujeitos, no exercício de sua autonomia privada, circulam suas posições jurídicas, consubstanciada, na maioria das vezes, por um ato negocial – um contrato (FÉRES, 2007).
    Quanto à quantidade de posições jurídicas que se transfere, a sucessão pode ser universal ou singular. Transmitindo-se todo o patrimônio de um sujeito a outro, tem-se a chamada sucessão universal. Diferentemente, em havendo a transferência apenas de parcela desse complexo, diversa de sua totalidade, dá-se a sucessão singular (FÉRES, 2007).
    Importante referir que algumas operações societárias geram sucessão universal, a exemplo da fusão e da incorporação, casos em que a sociedade resultante da medida sucede as originárias em todos os direitos e obrigações (FÉRES, 2007).
    Quanto à sucessão empresarial, essa se caracteriza pela alienação do estabelecimento comercial. “Transmite-se a propriedade do fundo de comércio, com todos os seus elementos, por simples instrumento particular ou público” (REQUIÃO, 2007, p. 286).
    A alienação do estabelecimento comercial pelo empresário que o titulariza ocorre através do contrato de compra e venda denominado trespasse, que não pode ser confundido com a cessão de quotas de sociedade limitada(COELHO, 2010), conforme se abordará no tópico a seguir de forma mais detalhada.
    Nosso Código Civil, especificamente em seu artigo 1.146, trata acerca da sucessão empresarial, estabelecendo que:
    Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuado o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
    Conclui-se que o adquirente do estabelecimento empresarial responde pelas dívidas existentes, contraídas pelo alienante, desde que regularmente contabilizadas, isto é, constantes da escrituração regular do alienante, pois que foram essas as dívidas de que o adquirente teve conhecimento quando da efetivação do negócio jurídico (RAMOS, 2009).
    Em que pese o adquirente assuma essas dívidas contabilizadas, o alienante fica solidariamente responsável por ela durante o período de um ano. Tal prazo, contudo, será contado de maneiras distintas a depender do vencimento da dívida em questão. Sendo dívida já vencida, o prazo é contado a partir da publicação do contrato de trespasse. Em sendo dívida vincenda, o prazo é a contar do dia de seu vencimento (RAMOS, 2009).
    A sistemática da sucessão obrigacional prevista na disposição civilista acima transcrita é aplicável unicamente às dívidas negociais do empresário, decorrentes das suas relações travadas em conseqüência do exercício da empresa. Por consequência, nos casos de dívidas de natureza tributária ou trabalhista, não se aplica o disposto em tal artigo, uma vez que a sucessão tributária e a sucessão trabalhista possuem regimes jurídicos próprios, previstos em legislação específica, como é o caso do artigo 133 do Código Tributário Nacional e do artigo 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (RAMOS, 2009).
    Essa sistemática, mormente os efeitos obrigacionais, só se aplica “quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funcionalidade do estabelecimento empresarial (enunciado nº 233 do CJF)” (RAMOS, 2009, p. 110). Adverte, ainda, o autor que tal observação é extremamente importante, uma vez que a natureza jurídica da universalidade de fato do estabelecimento empresarial muitas vezes dificulta a identificação de quando há ou não o trespasse.
    Em continuidade, o autor leciona que (2009, p. 110):
    Na justificativa ao enunciado em questão, explicou o seu autor: (…) não se pode olvidar que o estabelecimento é caracterizado por sua funcionalidade. Portanto, para falar em trespasse de estabelecimento, é necessário que haja a transferência de elementos suficientes à preservação de sua funcionalidade como tal, ou seja, a universalidade adquirida deve ser idônea a operar como estabelecimento, ainda que tenha decotado algum de seus elementos originais.
    Diante de tal exigência, pois, para a caracterização do trespasse e conseqüente produção dos seus efeitos jurídicos, sobretudo obrigacionais, verifica-se que a transmissão da funcionalidade do estabelecimento como tal configura um relevante critério objetivo que ajuda a identificar precisamente a situação em que realmente se consubstancia o contrato de trespasse (RAMOS, 2009).
    Por fim, Ramos (2009, p. 111) ressalta que a nova legislação falimentar (Lei nº 11.101/05) trouxe uma importante novidade relacionada diretamente com a matéria em análise, particularmente em seu artigo 141, caput e inciso II, que assim preconiza:
    Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
    […]
    II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
    Mencionada lei, que trata, também, da Recuperação de Empresas, trouxe essa disposição normativa com a intenção de tornar mais atrativa a aquisição de estabelecimentos empresariais de empresários ou sociedadesempresárias que se encontrem em processo de falência (RAMOS, 2009).
    Em seguimento ao tema, no item subsequente, apresentar-se-ão as hipóteses em que sobrevém a ora estudada sucessão de empresas.

    3.3 Formas de ocorrência da sucessão empresarial

    Antes de abordarmos a questão que trata das formas de sucessão empresarial, faz-se necessário conceituarmos estabelecimento empresarial, bem como sua natureza jurídica.
    Maria Gabriela Venturoti Perrota Rios Gonçalves (2011, p. 39, grifo da autora), reproduzindo as disposições do artigo 1.142 do estatuto civil, ensina que “estabelecimento é o ‘complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária’”.
    Refere que o estabelecimento consagra a reunião, de forma organizada, de todos os instrumentos voltados para o desenvolvimento da atividade empresarial e obtenção de lucro, abrangendo, assim, nesse conceito, os bens corpóreos móveis e imóveis, e, também, os incorpóreos.
    Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 77), estabelecimento empresarial é “o complexo de bens reunidos pelo empresário para o desenvolvimento de sua atividade econômica”.
    Destarte, o autor segue dizendo que:
    Quando o empresário reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio, etc., em função do exercício de uma atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos (2011, p. 77).
    Ainda, cita que “alguns autores usam a expressão ‘aviamento’ para se referir a esse valor acrescido” (2011, p. 78, grifo do autor).
    No tocante ao aviamento, esse constitui um atributo do próprio estabelecimento, não da empresa, podendo ser considerado o sobrevalor que se confere ao estabelecimento bem organizado (FÉRES, 2007).
    Nesta seara, Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 78) traz à baila que:
    Devido à intangibilidade dessa organização racional que o empresário introduz na utilização dos bens integrantes do estabelecimento empresarial, e tendo em vista que ela tem valor de mercado, o direito necessita desenvolver mecanismos para tutela desse plus e do valor que ele representa. (grifo do autor)
    O doutrinador, ainda, dá continuidade ao seu ensinamento:
    Cada bem, isoladamente, possui uma proteção jurídica específica (como, por exemplo, os interditos possessórios ou a responsabilização civil e penal por dano patrimonial etc.); o estabelecimento empresarial, essa disposição racional dos bens em vista do exercício da atividade econômica, por sua vez, necessita de uma forma própria de proteção. O direito, assim, em geral, deve garantir a justa retribuição ao empresário quando este, por culpa que não lhe seja imputável, perde o valor representado pelo estabelecimento empresarial (COELHO, 2011, p. 78).
    Reafirmando esse entendimento, Marcelo Andrade Féres (2007, p. 25) leciona que: “O Código Civil de 2002, seguindo a experiência italiana, optou por conceituar o estabelecimento considerando-o todo o complexo de bens organizado para o exercício da empresa”. Nesse prisma, Féres certifica que, apesar de não existir uma enumeração dos elementos que o constitui, a doutrina costuma arrolá-los e até mesmo classificá-los.
    Além de outros elementos, podem figurar no estabelecimento as mercadorias, o mobiliário ou as instalações, o nome empresarial, as invenções, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as marcas, os imóveis, o ponto empresarial e os nomes de domínio. Em síntese, concorrem para a composição do estabelecimento bens corpóreos e incorpóreos, móveis e imóveis, sem qualquer restrição prévia, dependendo, apenas, da sorte da empresa a que se destinam (FÉRES, 2007).
    Fábio Ulhoa Coelho (2011) refere, igualmente, que, quanto à composição do estabelecimento empresarial, integra essa os bens corpóreos, tais como as mercadorias, as instalações, os equipamentos, os utensílios, os veículos, bem como os incorpóreos, consistentes nas marcas, patentes, direitos, ponto, dentre outros.
    Nas palavras do mesmo autor (2011, p. 79-80):
    O direito civil e o penal compreendem normas pertinentes à proteção dos bens corpóreos (proteção possessória, responsabilidade civil, crime de dano, roubo etc.); o direito industrial tutela a propriedade da marca, invenções etc.; já a Lei de Locações protege o ponto explorado pelo empresário; a proteção do nome empresarial tem o seu estatuto próprio, e assim por diante; cada elemento do estabelecimento empresarial tem a sua proteção jurídica específica. O direito comercial, enquanto conjunto de conhecimentos jurídicos, tradicionalmente se preocupou com a abordagem apenas da tutela dos bens incorpóreos do estabelecimento empresarial, uma vez que do regime dos corpóreos costumam cuidar outros ramos do saber jurídico (direito das coisas e direito penal).
    No tocante à alienação do estabelecimento empresarial, Coelho (2010) refere que, em razão de o mesmo integrar o patrimônio do empresário, é também a garantia dos seus credores. Dessa forma, a alienação do estabelecimento empresarial está sujeita à observância de cautelas específicas, as quais a lei criou com vistas à tutela dos interesses dos credores, conforme se discorrerá a partir deste momento.

    3.3.1 O contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial – trespasse

    Inicialmente, o contrato de alienação deve ser celebrado por escrito para que possa ser arquivado na Junta Comercial e publicado na imprensa oficial, segundo disposição do artigo 1.144 do Código Civil. Enquanto não cumpridas essas formalidades, a alienação do estabelecimento empresarial não produzirá efeitos perante terceiros (COELHO, 2010).
    O empresário tem sobre o estabelecimento empresarial a mesma livre disponibilidade que tem sobre os demais bens de seu acervo patrimonial. Entretanto, a lei sujeita a alienação do estabelecimento empresarial à anuência dos seus credores, que poderá ser expressa ou tácita. Essa última configura-se pelo silêncio do credor após 30 dias a contar da notificação da alienação, a qual o devedor deve endereçar àquele, nos termos do artigo 1.145 do Código Civil (COELHO, 2010).
    Todo empresário que alienar seu estabelecimento empresarial deve colher a concordância, por escrito, de seus credores, ou fazer uma notificação a eles, pois somente em uma única hipótese está dispensado da observância dessa cautela, que é no caso de restarem, em seu patrimônio, bens suficientes para solvência do passivo (COELHO, 2010).
    Em caso de inobservância de tais cautelas, poderá o empresário ter sua falência decretada – forte no artigo 94, inciso III, alínea “c”, da Lei de Falências – e, vindo a falir, será considerada ineficaz a alienação perante a massa falida – com base no artigo 129, inciso VI, também da Lei Falimentar – podendo o estabelecimento empresarial ser reivindicado das mãos de seu adquirente. Assim, em regra, a anuência dos credores em relação à alienação do estabelecimento empresarial é cautela que interessa mais ao adquirente que propriamente ao alienante (COELHO, 2010).
    Em relação ao passivo regularmente escriturado do alienante, em dissonância com os princípios de que se valeu o legislador para criar a obrigação da anuência dos credores para a eficácia do ato, o mesmo é transferido ao adquirente do estabelecimento empresarial. O alienante, conforme já mencionado anteriormente, continua responsável por esse passivo durante o prazo de um ano, contado da publicação do contrato de alienação, quanto às obrigações vencidas antes do negócio, e, da data de vencimento, quanto às demais (COELHO, 2010).
    Havendo a transferência do estabelecimento, o adquirente será sucessor do alienante, podendo os credores demandar igualmente àquele para cobrança de seus créditos (COELHO, 2010).
    As partes do contrato de alienação de estabelecimento podem pactuar que o alienante ressarcirá o adquirente, por uma ou mais obrigações, especialmente as que se encontram sub judice, sendo que entre eles prevalecerá, ainda que numa etapa regressiva, exatamente o que contrataram. A cláusula de não transferência de passivo não libera o adquirente, que poderá ser demandado pelo credor, cabendo-lhe, assim, o direito de regresso em desfavor do alienante (COELHO, 2010).
    Já o credor do alienante somente perde o direito de cobrar crédito do adquirente do estabelecimento se renunciou expressamente ao direito quando anuiu com o contrato. Mas, uma vez pagando a terceiro por obrigação que, em razão do contrato firmado com o alienante, não lhe cabia suportar, o adquirente tem direito de ser ressarcido com base na cláusula de não transferência de passivo (COELHO, 2010).
    O credor trabalhista do alienante do estabelecimento empresarial detém proteção especial. Isso, pois, conforme previsão contida no artigo 448 da Consolidação das Leis do Trabalho – que consagra a imunidade dos contratos de trabalho em face da mudança da propriedade ou estrutura jurídica da empresa –, o empregado pode demandar o adquirente ou o alienante, indiferentemente (COELHO, 2010). Assim, enquanto não prescrito o direito trabalhista, o alienante responde, mesmo que já vencido o prazo ânuo do Código Civil.
    Igualmente, o credor tributário está sujeito a condições específicas, na hipótese de venda do estabelecimento empresarial. De acordo com o previsto no artigo 133 do Código Tributário Nacional, o adquirente tem responsabilidade subsidiária ou integral pelas obrigações fiscais do alienante, caso esse continue ou não a explorar a atividade econômica (COELHO, 2010).
    Não responde o adquirente, contudo, pelas obrigações do alienante, inclusive as de natureza trabalhista e fiscal, se adquiriu o estabelecimento empresarial mediante lance dado em leilão judicial promovido em processo de recuperação judicial ou falência, nos termos do artigo 60, parágrafo único, e artigo 14, inciso II, da Lei de Falências (COELHO, 2010).
    Nesse caso em particular, o adquirente não é considerado sucessor do antigo titular do estabelecimento empresarial. Essa regra, que ressalva a responsabilidade do adquirente, é prevista em lei não apenas como forma de atrair o interesse de eventuais licitantes no leilão, mas principalmente para proporcionar o mais elevado pagamento por esse ativo do devedor em recuperação ou falido. Ao final, tendo em vista tais objetivos, os credores acabam por ser beneficiados pela regra da exclusão de responsabilidade do adquirente (COELHO, 2010).
    Importante ressaltar a cláusula de não restabelecimento, visto que tal cláusula é implícita em qualquer contrato de alienação de estabelecimento empresarial. Com base nela, o alienante, nos cinco anos subsequentes à transferência, não poderá restabelecer-se em igual ramo de atividade empresarial, evitando-se, assim, a concorrência com o adquirente, salvo em caso de expressa autorização em contrato (COELHO, 2010).
    Em consonância com o exposto até então, verifica-se que a sucessão empresarial configura-se de duas formas: com a alienação do estabelecimento comercial pelo empresário que o titulariza (o alienante) para outro empresário (o adquirente), através do contrato de trespasse, ou através da cessão de quotas sociais de sociedade limitada (COELHO, 2010).
    Ao diferenciar o trespasse do estabelecimento comercial da cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou da alienação de controle de sociedade anônima, Marcelo Andrade Féres (2007) preleciona que, no trespasse, o estabelecimento empresarial deixa de integrar o patrimônio de um empresário, passando para o de outro, sendo que o objeto da venda é o complexo de bens envolvidos com a exploração da atividade empresarial. Já, de outra banda, na cessão de quotas ou na alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária.
    Na cessão de quotas sociais de sociedade limitada, o estabelecimento empresarial não muda de titular. Tanto antes quanto após a transação, ele pertencia e continua a pertencer à sociedade empresária. Essa, entretanto, tem sua estrutura societária alterada, eis que o objeto da venda é a participação societária (COELHO, 2010).
    Consoante já aludido, no contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial, o trespasse – objeto de estudo no presente capítulo – o estabelecimento deixa de integrar o patrimônio de um empresário (o alienante) e passa para o de outro (o adquirente), sendo que o objeto da venda é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos, envolvidos com a exploração de uma atividade empresarial (COELHO, 2010).
    Novamente, Marcelo Andrade Féres (2007) ensina que o empresário procede à alienação onerosa de seu estabelecimento, seja por vivenciar dificuldades econômicas, seja por mera especulação, por intermédio do contrato de trespasse.
    Ainda que o estabelecimento empresarial não compreenda as relações obrigacionais do seu titular, mas somente o complexo de bens, sejam eles materiais ou não, que ele organiza para o exercício de sua atividade, isso não significa que o Código Civil não tenha se preocupado com os efeitos obrigacionais decorrentes das negociações que envolvam o estabelecimento (RAMOS, 2009).
    Essencialmente, o Código Civil dispõe, em seu artigo 1.143, que: “Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicas, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”. Verifica-se, assim, a possibilidade de o estabelecimento ser negociado como um todo unitário, ou seja, como universalidade de fato que é.
    É sabido que o estabelecimento pode ser objeto de negociação singular, conforme permissivo do artigo 90, parágrafo único, do Código Civil. Entretanto, interessa, no ponto, a análise da negociação do estabelecimento de forma unitária, quando estaremos diante do chamado trespasse (RAMOS, 2009).
    André Luiz Santa Cruz Ramos (2009, p. 108) leciona, ainda, que:
    De acordo com o disposto no art. 1.144 do CC, o contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial. Vê-se, pois, que é condição de eficácia perante terceiros o registro do contrato de trespasse na Junta Comercial e a sua posterior publicação.
    Sobre a questão, Fábio Ulhoa Coelho (2010) complementa que o contrato de trespasse deve ser levado para registro na Junta Comercial e publicado na imprensa oficial, conforme disposição do artigo 1.144 do Código Civil. Além dessas formalidades, se não restarem bens suficientes ao alienante para solver o passivo relacionado ao estabelecimento vendido, a eficácia do contrato ficará condicionada ao pagamento de todos os credores ou da anuência destes, que pode ser feita de forma expressa ou tácita. Reitera-se que o alienante apenas está dispensado da precaução na hipótese em que permanece solvente mesmo após a alienação.
    Segundo Coelho (2010, p. 119), no tocante ao tema:
    O direito brasileiro estabelece uma determinada formalidade, prévia ou concomitante ao trespasse, que é a anuência expressa ou tácita dos credores, dispensando-a apenas no caso de solvência do alienante, posterior à transação. Se tal formalidade não é cumprida, a consequência será altamente prejudicial ao adquirente, pois ele poderá perder o estabelecimento, em favor da coletividade de credores, caso o alienante venha a ter sua falência decretada (LF, art. 129, VI). É ineficaz, perante a massa falida, a venda do estabelecimento empresarial realizada sem as precauções acima. O adquirente, que não se acautela no sentido de exigir do alienante a prova da anuência dos credores ou da sua solvência, perde, em favor da massa falida, o estabelecimento empresarial que houvera comprado.
    Não obstante, o CC dispõe, no seu artigo 1.145, que:
    Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em 30 (trinta) dias a partir de sua notificação.
    Dessa forma, o empresário que quer vender seu estabelecimento empresarial deve ter uma cautela importante, qual seja, ou conserva bens suficientes para pagar todas as suas dívidas frente aos seus credores, ou deverá obter o consentimento desses, o qual poderá ser expresso ou tácito. Com efeito, caso não guarde em seu patrimônio bens suficientes para saldar suas dívidas, o empresário deverá notificar seus credores para que se manifestem em 30 dias acerca da sua intenção de alienar o estabelecimento. Transcorrido o prazo sem manifestação, o consentimento dos credores será tácito, e a venda poderá ser realizada (RAMOS, 2009).
    A observância da condição acima referida, prevista no artigo 1.145 do CC, é deveras importante, uma vez que a legislação falimentar (Lei nº 11.101/05) prevê que a alienação irregular do estabelecimento como ato de falência (artigo 94, inciso III, alínea “c”) – ou seja, o trespasse irregular – pode ensejar o pedido e a decretação da quebra do empresário (RAMOS, 2009).
    Nesse sentido, Fabio Ulhoa Coelho (2010, p. 119) ressalta que “para evitar a ineficácia do trespasse, bem como para administrar diretamente os passivos de algum modo ligados ao estabelecimento que passa a assumir, o adquirente costuma contratar com o alienante a assunção de todas as obrigações”.
    Conforme brevemente referido acima, a contabilização regular da dívida para fins de responsabilização do adquirente do estabelecimento empresarial não se exige em relação ao passivo de duas ordens: trabalhista e tributário (COELHO, 2010), conforme se demonstrará na sequência.
    De acordo com o artigo 448 da CLT, as mudanças na propriedade da empresa não afetam os contratos de trabalho, mas, sim, concedem ao empregado duas opções: demandar o antigo proprietário do estabelecimento empresarial em que trabalhava ou o atual. Em qualquer das hipóteses, não poderá o empresário reclamado, em contestação, opor-se à pretensão do empregado com base nos termos do contrato de trespasse (COELHO, 2010).
    Em relação ao passivo fiscal, devem ser assinaladas duas situações, nos termos do artigo 133 do CTN: se o alienante deixa de explorar qualquer atividade econômica, ou se continua a exploração de alguma atividade nos seis meses seguintes à alienação. No primeiro caso, a responsabilidade do adquirente é direta, e pode o fisco cobrar dele todas as dívidas tributárias do alienante, originadas da atividade desenvolvida no local do estabelecimento. No segundo caso, o adquirente responde de forma subsidiária, ou seja, no caso de falência ou insolvência do alienante (COELHO, 2010).
    Registre-se que a sucessão tributária somente se caracteriza, em qualquer caso, se o adquirente continuar explorando no mesmo local idêntica atividade econômica do alienante. Em caso de alteração do ramo de atividade do estabelecimento, aquele não responde mais pelas dívidas fiscais do alienante (COELHO, 2010).
    Assim sendo, termina-se o presente capítulo concluindo pela expressiva repercussão da distinção jurídica entre os institutos acima analisados – a compra e venda do estabelecimento empresarial e a cessão de quotas de capital –, conforme corrobora Coelho (2010), principalmente no que importa à sucessão empresarial, que pode ou não existir no trespasse, mas que, efetivamente, não existe na transferência de participação societária.

  • Cisão empresarial

    Cisão empresarial

    Esse paper tem como objetivo o estudo de uma das mais conhecidas formas de reorganização societária denominada “cisão”.

    A cisão tem como finalidade básica a separação do patrimônio de uma empresa para melhorar o foco do negocio. É uma espécie de mutação usada em casos quando os sócios não têm mais interesses de trabalharem juntos. A cisão societária implica na transformação da formação societária, assim como na estrutura jurídica. Assim sendo, os aspectos a serem observados mais relevantes são as operações patrimoniais enviados a outra sociedade sem que haja prejuízos tanto para os sócios quanto para os terceiros afetados direta ou indiretamente.

    PALAVRA CHAVE: reorganização societária; cisão;

    Abstract

    This paper aims to study one of the most popular forms of corporate reorganization called ” spin-off ” .

    The split has the basic purpose of the separation of the equity of a company to improve the focus of the business. It is a kind of mutation used in cases where the partners have no interests to work together . The corporate split implies the transformation of the corporate training as well as the legal framework . Therefore, the aspects to be observed more relevant are the balance-sheet items sent to another company without losses for both the partners and to third parties directly or indirectly affected.

    KEYWORD: corporate reorganization ; split;

    CISÃO EMPRESARIAL

    INTRODUÇÃO

    As sociedades empresarias, muita das vezes, necessitam de uma reorganização através de alguns institutos que permitem que o patrimônio seja transferido ou mantido em uma sociedade empresarial, como nota-se quando há as operações societárias mais comuns, como exemplo, a transformação, que é a mudança no tipo de sociedade, a incorporação que é quando uma sociedade é absorvida por outra, e a fusão que é a união de duas ou mais sociedades para formação de uma nova.

    Nota-se ainda a presença de outro instituto o qual será objeto deste estudo: A Cisão. É este um instituto que pode variar da mais simples à mais complexa mudança, pode algumas vezes envolver grandes e pequenos valores na mudança.

    A cisão foi criada pela lei francesa de 1966 a qual se regulou, no entanto, no Estado brasileiro para ela ganhar seu teor de normatividade e/ou funcionalidade, está pendente de regularização, complementação da lei do imposto de Renda.

    A competitividade de mercado nos dias atuais tem concorrido para tal instituto mais visibilidade e ultilização, diante de tamanha competitividade e concorrência se tornaram uma obrigação importante, visto que, a revolução de mercado vem tornando tal ato mais frequente, à  medida que as empresas vão crescendo vão sendo vencidas pela velocidade da revolução do mercado que cada dia mais crescer.

    Sendo assim, com o aumento do mercado as empresas vêm adotando medidas que possibilitam também um crescimento interno.  Nos últimos anos a cisão tem tido uma movimentação mais frequente e é vista como uma forma de controlar seu funcionamento interno e atuar competitivamente em um mercado mais equilibrado.

    DESENVOLVIMENTO

    Cabe ressaltar, que o direito traz preceitos legais que autoriza o processo de operações de crédito, que dentro dele a cisão se destaca como sendo uma das menos positivadas, contudo, a atuação no mercado vem crescendo com cada vez com mais frequencia, apesar de ser um instituto que ajusta o interesse dos sócios, divide patrimônio a legislação que fundamenta a reorganização das sociedades é a lei 6.404/76 chamada de Lei das Sociedades Anônimas e o Código Civil que faz menção a cisão em um único artigo, quando se relaciona sobre os direitos dos credores, o art. 1.122 do CC.

    • RAZÕES DE ORGANIZÃO DE UMA SOCIEDADE

    São varias as razões pelas quais uma sociedade se reorganiza, na qual podemos destacar um planejamento tributário, como a alienação de controle da sociedade, abreviar o mercado, separar os sócios, obter combinação de recurso e demais coisas.

    Pode-se também destacar como sendo motivos básicos para ocorrer o processo da cisão: quando sócios de uma determinada sociedade não tem mais interesse de trabalharem juntos ou em algumas situações que recomendam a separação de atividades para melhoria do foco do negocio ou ainda para resolver conflitos entre os sócios, que permite que seu patrimônio seja separado, onde ocorre a transferência do capital de uma determinada empresa para outra que acontece da forma seguinte:

    Primeiramente, haverá de ter uma decisão dos sócios, de acordo com o que estabelece o estatuto ou contrato, logo após essa decisão deverá constar em ata de assembleia geral ou no termo aditivo de alteração contratual. Segundo, a empresa com a qual deseja ser cindida deverá deixar todos os seus registros contabéis à disposição, para eventual auditoria, pois se houver irregularidades em alguma de suas demonstrações contabéis, está será grande influenciadora do valor  de cada empresa. Pois, caso não haja a devida regularização, a empresa que adquire o capital compromete-se nos direitos e obrigações na medida da parcela que adquire.

    A fase conclusiva da cisão, dár-se por meio de um protocolo, no qual é apreciado em assembleia geral.

    • PROTOCOLO

    O protocolo como destacado no art. 224 da lei 6.404/76, deverá passar por um processo de votação entre as sociedades interessadas sem preferência dos acionistas mais antigos.

    Ao analisar os valores os peritos detectarem irregularidades ou valores diferentes dos alegados anteriormente à sociedade tem todo o direito de se recusar a realizar tal negociação sendo que os valores só serão pagos se efetivar o negocio, o sócio não poderá abandonar a sociedade durante o período que a operação tiver em andamento.

    O código civil no seu art. 1.120 paragrafo 3º reza que o sócio que não faça parte da sociedade não deverá votar nos laudos da avaliação do patrimônio.

    Ao falar dos credores no código civil, diz este que até 90 dias após a publicação da reorganização societária poderá pedir a anulação do ato através de uma ação judicial. Se houver falência o credor poderá também pleitear a separação do patrimônio dentro de 90 dias.

    Nas sociedades anônimas o prazo é de 60 dias, pois se trata de legislação especial, onde não adota o prazo do código civil.

    A cisão empresarial pode-se dividir em dois tipos: Cisão total e a cisão parcial.

    •  CISÃO TOTAL

    É quando o capital de uma sociedade é dividido entre duas ou mais empresas onde por sua vez esta adquire o capital e junto com este assumem todas as obrigações e todos os direitos da empresa cindida, recebe o nome de cisão total.

    O caput do art. 234 da lei 6.404/ 76 destaca essa obrigação.

    “Art. 234. A certidão, passada pelo registro do convenio da incorporação, fusão ou cisão é documento hábil para duração, nos registros públicos competentes da sucessão decorrente da operação em bens direitos e obrigações.”

    Nessa descrição do artigo nota-se uma preocupação em resguardar os direitos dos credores que por sua vez, podem sofrer em algum prejuízo no processo de reorganização societária, contudo, ainda assim a lei admite que a sociedade cindida seja solidária quanto aos credores decorrentes de eventuais créditos.

    • CISÃO PARCIAL

    É o processo onde apenas uma parte do patrimônio é transferida para outras empresas e recebe o nome de cisão parcial, sendo que a empresa que absolve o patrimônio se responsabiliza pela parte que absolveu, lembrando ainda que a empresa pode ser criada única e exclusiva para este fim, neste caso estamos diante de uma forma de cisão denominada pura, processos como tal serão sempre regulados pela Lei das Sociedades Anônimas  nº 6.404/76.

    Importante destacar que as empresas que adquirem apenas uma parcela do capital, poderão ter apenas as obrigações como responsabilidade sem o vinculo de solidariedade entre si se assim for estipulado no ato da cisão, conforme art. 233 da lei das S/A.

    • O ATO DE CISÃO DEVERÁ SER REGISTRADO NAS JUNTAS COMERCIAIS

    Por se tratar de uma transformação, os bens de propriedade da sociedade deverão obedecer todas as formalidades necessárias como o registro de fato, somente a averbação não é suficiente, o documento formal é a certidão feita pelo registro do comercio,

    O processo da cisão não obriga a sociedade parar de funcionar porque teve parte do seu capital transferido à outra empresa, o alvará continua o mesmo, o que de fato vai alterar são os cadastros fiscais que deverão passar por um processo de ajuste, sendo que todo o resto deverá continuar como antes para evitar prejuízo.

    • Considerações Finais

    Este breve estudo teve como principal objetivo mostrar a prática das reorganizações societárias no cotidiano empresarial, bem como demonstrar a utilidade de tal operação, com base nas doutrinas nacionais empresariais e no código civil. A cisão de empresas tem sido praticada por diferentes motivos, seja para minimizar os custos, ou para solucionar um problema entre os proprietários de um empreendimento, dentre outros.

    Sendo várias as vantagens para as empresas, caso optem pela cisão, e uma delas é a onerosidade que devido a reorganização societária se nota com menor ônus tributário. Logo, diante do exposto, a cisão da sociedade pode assumir vários aspectos, diante de sua intensidade e destino do patrimônio. Pode, diante disso, levar ou não à extinção da sociedade.

    Portanto, haja vista, a cisão tem efeitos jurídicos relevantes e deve ser observada de uma posição importante no mundo econômico, assim demonstrada neste estudo a transformação jurídica e social que uma sociedade passa, tratando-se dos efeitos à ela pertinentes. Essas sociedades podem até já existir, mas as vantagens após a reorganização, acrescendo seu patrimônio, são expressamente constituídas.

    Fonte : Jus

  • Consultoria empresarial. Como a genuinidade da pedra de toque

    Consultoria empresarial. Como a genuinidade da pedra de toque

    A consultoria existe desde os primórdios dos tempos, seja ela na vida rotineira das pessoas, seja ela em outros segmentos, como na esfera empresarial. Em remotos tempos, por exemplo, o aconselhamento aos povos nos convívios sociais era passado por àqueles considerados mais sábios, mais experientes. Tais sugestões ou conselhos assemelham-se a consultoria da atualidade.

    No cotidiano enfrentamos, por vezes, a busca por soluções corriqueiras da vida civil com o aconselhamento daqueles que detém um conhecimento mais apurado sobre determinado assunto. É assim que acontece, por exemplo, quando pedimos opinião ou ainda quando nos posicionamos sobre determinado tema. Se nos atentarmos e pensarmos, isso se dá a todo o momento. Essas são maneiras informais de se ter consultoria no dia a dia.

    No âmbito empresarial, os desafios estão cada vez maiores, sejam eles administrativos, societários ou jurídicos. De maneira formal a consultoria ingressa na vida das empresas com maior ênfase trazendo inúmeros benefícios. A análise do crescimento mercadológico, a reestruturação organizacional, identificar pontos fortes e fracos, afastar ou elidir os passivos jurídicos são bons exemplos das necessidades vividas pelas corporações. Não importa o capital social, o número de colaboradores ou a expressão do trabalho. Todas, micro, pequena, média e grandes empresas vivenciam diariamente situações com as quais devem ser tomadas decisões importantes, que muitas vezes levam ao topo ou ao declínio, pela deliberação perpetrada.

    É importante dizer que a PREVENÇÃO É A PEDRA DE TOQUE NA CONSULTORIA. Não se utiliza somente quando se tem problemas. Ou seja, é e deve ser utilizada como forma de prevenir a “doença”, indo a fundo, na causa do possível problema.

    Um consultor ou uma consultoria especializada sempre ajudará na organização e nas tomadas de decisões da corporação empresarial.

    Fonte : Jus

  • O inexorável combate à corrupção nos negócios jurídicos e o modelo de investigação empresarial

    O inexorável combate à corrupção nos negócios jurídicos e o modelo de investigação empresarial

    “A Polícia só pode existir, só pode funcionar, numa sociedade que mantenha um razoável equilíbrio eficiente na sua economia de repressão. Se a sociedade não consegue economizar repressão através do autocontrole que os indivíduos exercem sobre si mesmos, então a tarefa da polícia torna-se utópica e impossível, porque a polícia só pode funcionar onde o crime é exceção. Quando o crime deixa de ser exceção e passa a ser parte do comportamento “normativo”, a polícia, ela própria, vai passar a participar do crime e também vai passar a normatizá-lo. Como a normatização do crime é um contrassenso semântico, chamo a esse processo através do qual a transgressão e o crime passam a ser incorporados como opções racionais de muitos e deixam de ser exceções, chamo a esse processo social de desnormatização do individualismo”

    ( Reflexões sobre Violência Urbana – (In) Segurança e (Des) Esperanças)

    RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade precípua analisar sem pretensão exauriente o crime de corrupção, em especial aquele denominado corrupção entre particulares e o moderno modelo de investigação empresarial visando perseguir o combate incisivo e eficaz a esta modalidade criminosa.

    Palavras-chave. Direito Penal. Corrupção. Pública. Privada. Investigação empresarial. Necessidade Social.

    Abstract: this work aims to analyze primary without pretension exauriente the crime of corruption, in particular one called corruption between individuals and the modern business research model in order to pursue the incisive and effective combat this criminal mode.

    Keywords. Criminal Law. Corruption. Public. Toilet. Business research. Social Need.

    SUMARIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. REGRAS BÁSICAS CONTRA A CORRUPÇÃO. 3. O MODELO DE INVESTIGAÇÃO EMPRESARIAL NOS CRIMES DE CORRUPÇÃO. 4. ELEMENTOS CENTRAIS NO COMBATE À CORRUPÇÃO. 5. CONCLUSÕES. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

     

    1. INTRODUÇÃO.

    O grande desafio do moderno Direito Penal e sistema de justiça criminal é instrumentalizar os órgãos de persecução criminal para o eficaz enfrentamento ao crime organizado, em torno da prática de diversas modalidades criminosas, como tráfico transnacional de drogas, o tráfico de armas, tráfico internacional de pessoas, tráfico de órgãos, a corrupção pública e privada, o crime cibernético, o terrorismo que tanto assusta o mundo fruto do extremismo ideológico, e tudo isso com o tempero das suas novas tecnologias, e suas múltiplas relações transnacionais, o que constitui-se numa indubitável ameaça iminente aos direitos fundamentais das pessoas.

    Especificamente, acerca do crime de corrupção, ele é classificado de acordo com o sistema penal adotado. Pode ser dividido em corrupção pública e privado.

    A corrupção pública é praticada com grave violação aos deveres do cargo público.

    Já a corrupção privada é cometida na relação entre particulares.

    Nos sistemas normativos de países europeus como Alemanha, Inglaterra, Áustria, França, Holanda, Suíça, Bélgica e mais recentemente na Espanha, Itália, Portugal e Polônia, preveem a tipificação nos seus Códigos Penais.

    A corrupção pública pode ser ativa e privada, de acordo com o agente do delito.

    Quando cometido por agente público é chamada de corrupção passiva, quando cometido por particular é chamado de corrupção ativa.

    No Brasil, não há crime nas chamadas relações privadas, muito embora exista no Projeto de Lei de Reforma do Código Penal, PLS nº 236/2012, a previsão do crime de corrupção privada, no artigo 167, catalogado no título dos crimes contra o Patrimônio, cuja pena prevista é de prisão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

    Art. 167. Exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de empresa ou instituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições:

    A Convenção de Mérida das Nações Unidas de 2003 contra a corrupção e a corrupção no setor privado“representa um marco na arquitetura dos acordos internacionais contra a corrupção”, vez que se trata de instrumento aplicável em escala global.

    A democracia representativa, condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, exige, por sua própria natureza, o combate a toda forma de corrupção no exercício das funções públicas e aos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.

    O combate à corrupção reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social.

    Assim, devem as Nações envidar todos os esforços para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas e nos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.

    O Brasil possui Acordo bilateral de cooperação com ESPANHA, para intercâmbio de informações e conhecimentos sobre controle, finanças, informações estratégicas, transparência e correição.

    De acordo com o documento, as instituições devem desenvolver atividades como: realização de seminários, cursos e programas de especialização; promoção de pesquisas e publicações; realização de viagens de estudo; troca de conhecimentos e apoio em assuntos de interesses; entre outros.

    A parceria Brasil-Espanha tem ocorrido há vários anos entre os países. Já foi firmado, por exemplo, acordo com a Universidade de Salamanca para criar ações de cooperação acadêmica de combate à corrupção, como mestrado e doutorado na instituição de ensino.

    Em 2013, também ocorreu seminário internacional entre os países para discutir estratégias e metodologias na área.

    De acordo como os modelos adotados, a corrupção entre os particulares pode ser:

    1) Corrupção laboral. Aquela vislumbrada partir da ótica laboral, o crime de corrupção laboral tutela a integridade das relações trabalhistas, mais concretamente a relação de boa fé, cofiança e lealdade entre empregado e empregador.

    2) Corrupção em Concorrência desleal. Efetua-se a partir do modelo de concorrência. Tal modelo é adotado na Alemanha (§§ 299 e 300 do StGB) e no artigo 286 bis do Código Espanhol.

    1. quem, por si ou por pessoa interposta promessa, oferta ou concessão de executivos, gerentes, funcionários ou empregados de uma empresa comercial ou de uma sociedade, associação, Fundação ou organização um lucro ou vantagem de qualquer natureza, não se justifica então você favorece a ele ou a um em terceiro lugar, enfrentando outros, em violação das suas obrigações na aquisição ou venda de bens ou na aquisição de serviços profissionais, será punido com a pena de prisão de seis meses a quatro anos, especial para desqualificação o exercício da indústria ou comércio pelo tempo de um a seis anos e multa do ambos o triplo do valor do benefício ou vantagem.

    3) Corrupção Omnicompreensivo. Aqui o legislador adota um tipo unitário de corrupção, tipificando tanto a corrupção pública, quanto privada.

    4) Corrupção patrimonial. Consiste num tipo especial de administração desleal do patrimônio social.

    O Brasil adotou a referida Convenção por meio do Decreto nº 5687, de 31 de janeiro de 2006, e portando, assumiu o compromisso de tipificar o crime de corrupção privada no setor privado, e como tal, espera-se que o compromisso se efetive.

     

    2. REGRAS BÁSICAS CONTRA A CORRUPÇÃO

     

    Faz-se mister, estabelecer diretrizes e recomendações básicas para servidores públicos e partidos políticos.

    Há também necessidade de se estabelecer regras claras de relação entre parlamentares e grupos de pressão, além de criação de código de conduta parlamentar sobre prevenção de interesses, presentes e interesses financeiros.

    E por fim, a introdução de um marco legislativo uniforme e coerente para golpear o coração econômico da delinquência organizada.

     

    3.  O MODELO DE INVESTIGAÇÃO EMPRESARIAL NOS CRIMES DE CORRUPÇÃO

    A investigação de casos de corrupção e criminalidade organizada é vista como uma empresa.

    Um forte sistema de gestão, onde diversos fatores intervêm nesta empresa: pessoas, meios, organização e estratégias.

    No tocante às pessoas, há premente necessidade de criar um sistema de especialização em juízes e promotores de justiça, sobretudo, em implantação de varas especializadas para o eficaz enfrentamento.

    Acerca do papel das testemunhas, deve existir também sistema de proteção de testemunhas. Hoje no Brasil tem a lei de proteção a testemunhas, vítima se até policiais que se envolvam na investigação. Mas é preciso aperfeiçoar as atividades neste setor.

    O sistema existente do chamado direito premial ele se mostra eficaz unicamente com a existência do instituto da delação premidada.

    Quanto aos investigados, é preciso conciliar a função primordial estatal na elucidação dos crimes, com o direito do investigado de não se declarar contra a si mesmo. Quanto aos peritos, estes devem possuir especialização funcional em razão de áreas específicas a fim de evitar o grande número de perícias inconclusivas na justiça brasileira.

    Respeitante aos meios, urgente a criação de unidades de auxílio da instrução, valor probatório de atas  de inspeção, prova pericial de inteligência, cooperação judicial internacional e interna.

    A utilização de provas postas a disposição da persecução criminal, como agente infiltrado e ação controlada, meios raramente utilizados pelo sistema de justiça criminal por ausência e especialização da própria estrutura estatal.

    E por fim, as estratégias usadas em face da complexidade estrutural, introduzindo um modelo de investigação proativa, agentes de polícia com viés em elucidar crimes complexos, tão diferente de se apurar um crime comum de furto ou homicídio, onde as ações da polícia aparecem numa cartilha pronta e acabada.

    Outras atividades devem ser atacadas, como seguir o rastro do dinheiro desviado, a recuperação de ativos enviados a paraísos fiscais, temática da derrogação de segredo bancário, a introdução da política de  transparência na Administração Pública e a responsabilidade de meios de comunicação.

     

    4. ELEMENTOS CENTRAIS NO COMBATE À CORRUPÇÃO

    Os elementos centrais para o eficiente combate à corrupção passa pela existência de leis corretas e eficientes na definição dos tipos penais.

    O Brasil tipifica o crime de corrupção na modalidade pública, notadamente, aqueles chamados de corrupção passiva, quando cometido por agentes públicos, artigo 317 do CP, consistente em solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, com pena de reclusão de 2 a 12 anos, além da multa.

    O crime de corrupção pode ser também passiva, art. 333 do CP, praticada pelo particular, consistente em oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, com a mesma pena prevista para a corrupção passiva.

    Além dessas duas modalidades criminosas, no âmbito dos crimes praticados contra a Administração Pública, existem também o peculato, a concussão e o desvio de verbas e rendas públicas, artigos 312, 316 e 315, do Código Penal brasileiro, respectivamente.

    Assim, além da previsão criminosa, é preciso ponderar as penas para essas modalidades delitivas, pois causam grande prejuízo para a sociedade. Até pouco tempo, a pena mínima para a corrupção no Brasil era de penas um ano, o que possibilitava a suspensão dos processos de corruptos.

    Ainda assim, com pena de apenas 02 anos para a mínima, a resposta se mostra inadequada, pois os juízes tem grande disposição para aplicar de pena mínima na dosimetria da pena, e se não por superior a 04 anos, tendo-se em vista, trata-se de delito, praticado sem violência ou grave ameaça para a vítima, logo haverá a possibilidade de se substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, na forma do artigo 43 do Código Penal, com nova redação determinada pela lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998.

    Destarte, a penas se mostram inadequadas, ineficazes, e não dissuasórias pna sua execução efetiva que viesse a fortalecer a prevenção geral e especial, na visão e função de intimidação, integração, neutralização e ressocialização, além da confiscatória de benefícios.

    Outro assunto importante que merece citação é a clara ausência de coordenação na investigação, que deveria ser coordenada, minuciosa e efetiva.

    E nesse mesmo sentido, um tema de suma importância para o efetivo combate à corrupção é a cooperação internacional, não bastando tão somente filiar a um Tratado Internacional, mas fazendo mister a interlocução operacional com outras Nações a fim de viabilizar as medidas necessárias ao estancamento do crime organizado para o cometimento de crimes contra a Administração Pública.

     

    5. DAS CONCLUSÕES

    o direito é não é filho do céu. É um produto cultural e histórico da evolução humana”. (Tobias Barreto)

    Para o combate eficaz ao crime organizado, sobretudo, em face da corrupção, é premente salientar a fragilidade do sistema de persecução criminal brasileiro, naquilo que chamamos de grave sistema de justiça criminal, em especial nas fases investigativas e processual.

    Reconhece-se a necessidade de criação de laços sólidos de colaboração transnacional, considerando tratar-se de problema de âmbito global.

    É urgente acabar com a farra do sistema de recursos intermináveis, cabível a cada passo da investigação, a cada passo processual, o que causa prejuízos para os anseios sociais, mas consciente da necessidade inarredável de se preservar o sistema de garantias.

    O que a sociedade mundial clama urgentemente é por uma justiça que realmente funcione na sua inteireza.

    Assim, lamentavelmente, a corrupção generalizada no Brasil, com indubitável desvio de finalidade, apresenta obstáculos intransponíveis para a adoção de políticas públicas de implementação dos direitos humanos, configurando, portanto, lesão de difícil reparação.

    A violência aqui referenciada é justamente a negação por parte do Estado dos direitos constantes do mínimo existencial, como saúde para todos, educação com qualidade e segurança efetiva, garantindo existência humana digna, a exigir prestações estatais positivas, e que somando aos altos índices de criminalidade, aqui entendida como sendo o somatório de infrações penais, chega-se a conclusão de que o Brasil é um dos lugares mais perigosos do mundo para se viver.

    É caso de vida ou morte implantar no Brasil um forte aparato legislativo contemplando a figura criminosa da corrupção entre particulares, cujo modelo poderá ser o espanhol, artigo 286 do Código Espanhol, a criação de penas mais rígidas para punir corruptos, a rotulação do crime de corrupção como crime hediondo, a possibilidade da criação de uma nova modalidade de prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado, não como forma de pena, mas de execução indireta, nos moldes daquilo que acontece hoje com a prisão alimentar que prevê prisão em regime fechado para o devedor de alimentos, conforme dicção do artigo 911 usque 913 do Código de Processo Civil.

    Para não ficar nenhuma dúvida, preste atenção nos próximos versos. Para ser claro como qualquer expressão algébrica, preciso com a evidência, límpido como sol que derrama seus raios estilhaçados neste momento no alto do Jardim Iracema, em Teófilo Otoni, nas Minas Gerais, o que se exige mesmo, na moral, com todas as letras, é JUSTIÇA EFETIVA e não justiça do faz de conta.

    O delinquente deve ter a certeza da punição, qualquer que seja a graduação da pena, e a investigação empresa, devidamente coordenada e harmoniosa, em perfeita sintonia empresarial entre pessoas, meios, organização e estratégias, sem dúvidas, é a melhor direção.

    Mas é preciso cumular com a pena privativa de liberdade, com a possibilidade concreta de varrer definitivamente dos portais da Administração Pública os sanguessugas do povo, os insensíveis chacais sociais, os roedores de ossos inacabados.

    Precisamos de justiça rápida e eficiente, com recheios de preservação das garantias fundamentais.

    Decisão judiciária que demora muito tempo ofende com pena de atrocidade o direito de razoabilidade da conclusão do procedimento, consoante artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República de 1988.

    Por derradeiro, em função da amplitude do assunto, foram lançadas apenas linhas gerais acerca da temática em testilha, mesmo porque, como bem ensina o jurista, que não constitui segredo para ninguém que é justamente da essência do direito a que não é possível renunciar o de achar-se eternamente condenado a ver somente as árvores e jamais a floresta. Contentamo-nos, pois, com as árvores, sem, todavia, cometer o desatino de negar a existência das florestas. ( Radbruch)

     

    Fonte : Jus

  • A recuperação judicial na atual sistemática do regime jurídico da insolvência empresarial

    A recuperação judicial na atual sistemática do regime jurídico da insolvência empresarial

    A Lei 11.101/2005 instituiu a Recuperação Judicial de Empresas, cujo principal objetivo é solucionar a crise financeiro-econômica da empresa devedora, mantendo a unidade empresária efetivamente produtiva (e não apenas formalmente), conservando os agentes da atividade (empregados, fornecedores e credores) e extirpando do mercado as sociedades que não tenham condições de exercer a sua função socioeconômica em todos os seus aspectos.

    Por crise econômico-financeira compreende-se a dificuldade temporária da sociedade empresária ou do empresário em realizar os valores suficientes para solver as obrigações nas datas aprazadas e superar a iliquidez suportada pelos resultados irregulares ou negativos do fluxo de caixa, causada por diversos fatores (não taxativos), tais como: a diminuição de oferta de crédito no mercado ou elevação do preço para a sua obtenção, a queda das cotações de produtos no mercado internacional, elevada incidência de despesas trabalhistas, sociais e tributárias, quebra unilateral de contratos e, dentre outros, a inaptidão administrativa e deficiência de estruturação jurídica, que justificam a reestruturação da atividade.

    É um benefício legal preventivo, que busca antever a possibilidade de enfrentar uma crise financeira ou, quando está já em andamento, possibilita a reestruturação empresarial e a readequação da atividade, antes da instauração da situação de insolvência em estado crítico a ponto de inviabilizar a consecução do objeto social, em que a única solução jurídica restante é a falência do devedor.

    Consiste em um instituto de Direito Econômico, que propõe o soerguimento da sociedade empresária e a superação da crise por ela enfrentada, sem que se desdobre em culpar o devedor pela situação apresentada e nem em favorecer os credores demasiadamente. Objetiva, principalmente, distribuir entre ambos a responsabilidade de encontrar a forma mais adequada de reestruturação da empresa, de modo que a reorganização administrativa e financeira apresente a solução para solver o passivo existente, manter a atividade empresária em exercício, superar a situação de iliquidez consolidada, estimular o desenvolvimento viável e estável da atividade econômica em favor do próprio devedor e dos credores (fomentadores, fornecedores e empregados).

    Assim, apresentado o pedido de recuperação judicial pela sociedade ou empresário e, atendidos os requisitos legais para o exercício deste direito, o Poder Judiciário defere o seu processamento, imputando-lhe obrigações que devem ser cumpridas no curso do procedimento e ao mesmo tempo concedendo prazos suspensivos para que a empresa possa propor e adequar as medidas necessárias para a sua reestruturação.

    Dentre essas incumbências legais, o devedor apresenta o plano de recuperação, que enseja demonstração consolidada da dívida e descrição pormenorizada da proposta de pagamento dos créditos e os meios de recuperação de que se utilizará para ter êxito em seu intento, seja para cumprir com as obrigações submetidas ou não ao procedimento recuperacional, seja para promover a reestruturação administrativo-financeira da sociedade de forma a superar a situação de iliquidez que a acomete e a viabilizar o exercício da atividade empresarial.

    Consiste em um benefício legal que busca favorecer os interesses do devedor e da coletividade de credores, já que a decretação da falência, na maioria das vezes, pode acarretar mais prejuízos tanto no aspecto social como no econômico.

    O devedor é beneficiado quando lhe é concedido o prazo suspensivo que lhe permite a reorganização societária e financeira e a renegociação do passivo e das condições para o seu pagamento, em condições geralmente melhores que as originais (stay period).

    Já o credor se beneficia quando lhe é conferido o direito de fiscalizar as atividades desempenhadas pela devedora, manifestar a sua concordância ou oposição às propostas ou aos atos intentados pela sociedade em recuperação, que possam lhe acarretar ou agravar prejuízos já suportados com a falta de pontualidade no cumprimento das obrigações.

    Ressalte-se, por oportuno, que o devedor apresenta a proposta de pagamento que viabilizará quitação do passivo existente e o desenvolvimento da atividade empresarial e cabe ao credor o direito de negociar as cláusulas, apontar modificações e decidir o destino do procedimento recuperacional, ao analisar o projeto de viabilidade empresarial e a proposta de pagamento.

    Quem pode requerer a Recuperação Judicial (Legitimidade Ativa)? E quem está sujeito ao procedimento (Legitimidade Passiva)?

    O empresário ou sociedade empresária que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, há mais de dois anos e que (i) não seja falido ou se foi estejam as obrigações declaradas extintas por sentença transitada em julgado; (ii) não ter requerido a recuperação judicial há menos de 05 anos; (iii) não ter sido condenado, como administrador ou sócio controlador, por qualquer dos crimes previstos na Lei de Recuperação de Empresas (art. 48).

    Conforme o artigo 49 “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, ou seja, inserem-se nesta definição os créditos de natureza trabalhista, com direitos reais de garantia, créditos quirografários (sem garantias preferenciais).

    Existe alguma categoria de credores que não se sujeita ao procedimento recuperacional?

    Sim. Os credores de natureza fiscal, de créditos decorrentes de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, o proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis (observados alguns requisitos relativos à constituição da garantia) e o arrendador mercantil.

    Como é efetivado o pedido de Recuperação Judicial?

    O pedido de recuperação judicial deve ser feito perante o Poder Judiciário. O devedor deverá expor as causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira e instruir o pedido, obrigatoriamente, com todos os documentos elencados no artigo 51 da Lei 11.101/2005.

    A partir do pedido, a empresa tem 06 (seis) meses para tentar um acordo com credores sobre a proposta de pagamento que definirá como vai superar a crise financeira.

    Cumpridos os requisitos para a propositura do pedido de recuperação judicial (art. 319, NCPC e art. 51, LRE), será proferida decisão deferindo o processamento da recuperação judicial.

    Quais os efeitos advindos da decisão que defere o processamento da Recuperação Judicial?

    Dentre os efeitos da decisão que defere o processamento, destacam-se como as principais:

    – a nomeação o administrador judicial, que atuará como fiscal das atividades desenvolvidas pelo devedor, durante o período em que estiver em recuperação judicial;

    – a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades (exceto contratação com o Poder Público);

    – a apresentação de contas demonstrativas mensais, sob pena de destituição dos administradores;

    – a apresentação do plano de recuperação judicial no prazo de 60 (sessenta) dias;

    – a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, prazo este que entendeu o legislador suficiente para a realização de todos os atos necessários para que o devedor consiga a concessão do benefício recuperacional, após a aprovação do plano de recuperação judicial.

    A determinação de suspensão das ações e das execuções concedida em favor da Recuperanda beneficia os sócios ou garantidores solidários (fiadores, avalistas)?

    Não. A lei estabelece que o benefício recuperacional é concedido apenas para a sociedade empresária ou sócio ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais.

    Este ponto trouxe discussões perante credores, recuperandas e devedores solidários, pela confusão criada na interpretação do artigo 6.º da LRE, quando estabelece a suspensão “da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”.

    A questão foi solucionada pelo Superior Tribunal de Justiça, esclarecendo que o sócio solidário que se beneficia com a suspensão concedida à devedora em recuperação judicial é aquele presente nos tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos consorciados não é limitada às suas respectivas quotas/ações, como é o caso, por exemplo, da sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC) e da sociedade em comandita simples, no que concerne aos sócios comanditados (art. 1.045 do CC).

    A razão de ser da norma que determina a suspensão das ações, ainda que de credores particulares dos sócios solidários ilimitadamente pelas obrigações societárias, é simples, pois, na eventualidade de decretação da falência da sociedade os efeitos da quebra estendem-se àqueles, conforme dispõe o art. 81 da Lei n. 11.101/2005, o que não acontece com os sócios do tipo societário Limitada ou Sociedade Anônima.

    O que é o Plano de Recuperação Judicial? Como deve ser elaborado?

    O plano de recuperação judicial é uma proposta de composição amigável, dirigida pelo devedor a seus credores, em que discriminará os meios que julga necessário utilizar para superar a situação econômico-financeira, bem como a forma de pagamento dos credores.

    A proposta deve apontar os meios de recuperação que pretende o devedor utilizar para superar a crise financeira que suporta, bem como a forma de pagamento dos credores submetidos ao procedimento, além de instruir a proposta com o estudo da viabilidade econômico-financeira que demonstre efetivas possibilidades de reorganização e recuperação do devedor.

    Os meios de recuperação estão dispostos no art. 50, LRE. Trata-se de sugestão legislativa (rol exemplificativo), e podem ser utilizados individual ou cumulativamente. O devedor deve pormenorizar como pretende aplicá-los no corpo do plano de recuperação judicial. Destaque-se, por oportuno, que atualmente os meios mais utilizados são: 1. Reestruturação financeira por meio da dilação de prazos para adimplemento das obrigações e remissão total ou parcial da dívida; 2. Alienação de bens do ativo permanente; 3. Alienação do poder de controle etc.

    Quais são os próximos passos do procedimento após a apresentação do Plano de Recuperação Judicial?

    Apresentado o plano, o juiz divulga aviso aos credores acerca do prazo para que eles apresentem sua objeção, ou seja, os pontos de discordância à proposta de pagamento do devedor. Se houver ao menos uma objeção apresentada por qualquer credor sujeito ao procedimento, será convocada Assembleia de Credores.

    Por que há convocação de Assembleia Geral de Credores, se a Lei 11.101/2005 oportuniza o direito de impugnar a proposta por meio da objeção?

    A Assembleia Geral de Credores é o veículo de deliberação de todas as questões sobre a recuperação judicial, tais como a aprovação, rejeição ou modificação ao plano de recuperação e a constituição do Comitê de Credores ou qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

    A realização da Assembleia Geral de Credores é de grande importância porque nesta oportunidade o devedor e os credores (de todas as classes submetidas ao procedimento recuperacional) poderão debater a proposta de pagamento, propor alterações, buscando equalizar os interesses de ambas as partes.

    Finalizada a fase de deliberações, inicia-se a fase de aprovação ou não da proposta de pagamento apresentadas para a superação da crise.

    Quais possíveis resultados podem advir da votação do Plano de Recuperação em Assembleia Geral de Credores?

    O plano de recuperação judicial será considerado aprovado e o Juiz concederá o benefício recuperacional, havendo voto favorável das três classes (I – trabalhista; II – garantia real; III – quirografários e IV – ME e EPP).

    Se o plano não obteve a aprovação nos termos do art. 45, LRE, poderá o Juiz conceder a recuperação judicial com base em plano não aprovado. Trata-se do instituto do cram down, que, em tradução livre, quer dizer goela abaixo, que poderá ser aplicado nos termos do art. 58, § 1.º, da LRE.

    Por fim, se o plano não obtiver a aprovação em Assembleia Geral de Credores (art. 45, LRE), nem pelo instituto do cram down (art. 58, LRE), será decretada a falência, nos termos do art. 73, III, LRE.

    Quais as consequências da aprovação do Plano de Recuperação?

    Com a aprovação do plano de recuperação judicial, havendo cumprimento das demais exigências contidas na Lei 11.101/2005, será proferida a decisão concessiva do benefício recuperacional.

    Diante da publicação da decisão concessiva, opera-se a novação dos créditos anteriores ao pedido, ou seja, as condições de cumprimento dos contratos originalmente entabulados entre o devedor e os credores são substituídas pelas obrigações assumidas e insertas no plano aprovado, obrigando o devedor e os credores sujeitos ao procedimento recuperacional ao seu estrito cumprimento.

    Trata-se de novação condicional (diferente da natureza da novação civil), pois, decretada a falência, serão reconstituídos os direitos e garantias originalmente constituídos (art. 62, LRE), ou seja, ela somente se mantém enquanto houver o cumprimento das obrigações estabelecidas no plano de recuperação judicial.

    O Plano de Recuperação Judicial pode prever a extinção de garantias? E qual o efeito que se opera aos credores que votaram pela rejeição da proposta?

    O plano de recuperação pode prever a extinção da garantia, seja pessoal (avalistas, fiadores, coobrigados solidários) ou real (por meio de penhor ou hipoteca sobre bens). Contudo, nos termos da LRE somente com a expressa autorização do detentor da garantia, poderá surtir efeito a extinção pretendida pelo devedor.

    Há entendimento dos Tribunais Estaduais de que, se o credor votou favorável à aprovação do plano, ele manifestou concordância com a extinção da sua garantia. No que se refere aos credores que não compareceram a Assembleia de Credores, ou, comparecendo, abstiveram-se de votar, ou votaram rejeitando a proposta de pagamento, a cláusula que previr a extinção não surte efeitos.

    Como se dá o encerramento da Recuperação Judicial?

    A recuperação judicial é encerrada quando o devedor cumprir todas as obrigações previstas no plano que vencerem até 02 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.

    Quais as consequências ao devedor que não cumprir as obrigações estabelecidas no Plano de Recuperação aprovado?

    É decretada a falência da empresa. O capítulo cinco da Lei de Falências é o que diz respeito à falência. Com o decreto de falência, o devedor é afastado de suas atividades com o objetivo de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa. Segundo a lei, a decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios solidariamente responsáveis pelas obrigações sociais, dentre as consequências.

  • Contornos basilares da principiologia empresarial no ordenamento jurídico brasileiro

    Contornos basilares da principiologia empresarial no ordenamento jurídico brasileiro

    1 INTRODUÇÃO

    Este trabalho visa a um apanhado conciso acerca das linhas gerais dos princípios basilares do Direito Comercial brasileiro, abordando suas principais características e direcionamento interpretativo. Tem como objetivo primordial, apontar a vasta gama de princípios informadores deste ramo jurídico descritos pela legislação pátria e é baseado principalmente na Lei 10.406/2002 (Código Civil), trazendo apenas algumas peculiaridades da legislação esparsa.

    A pesquisa justifica-se por ser, o assunto, de grande importância para cotidiano do Bacharel em Direito, pois tem grande aplicação no dia-a-dia prático de um profissional da área.

    O tema será abordado inicialmente com enfoque em cada um dos princípios mais comentados na doutrina e jurisprudência com intensão de despertar o interesse pelo aprofundamento de seus conceitos norteadores ajudando na melhor compreensão do funcionamento da Sistemática Comercial em vigor.

    Será utilizado o método indutivo, em que, através da coleta e correlação de dados isolados, conclui-se uma premissa universal.

    2. DESENVOLVIMENTO

    2.1. PRINCÍPIOS GERAIS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA APLICÁVEIS AO DIREITO EMPRESARIAL

    a) Princípio da Valorização do Trabalho Humano:

    A valorização do trabalho humano vem demosntrada de diversas maneiras na Constituição Federal de 1988, em especial em seu artigo primeiro, que eleva fundamento da República Federativa do Brasil “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

    Para o Ministro Eros Grau:

    “resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor social do trabalho importa em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar.

    Esse tratamento, em uma sociedade capitalista moderna, peculiariza-se na medida em que o trabalho passa a receber proteção não meramente filantrópica, porém politicamente racional” (GRAU, 2007 p. 198).

    O Ministro, dessa forma, faz importante síntese do significado do Princípio da Valorização do Trabalho Humano, que norteia as ações do Estado em vários eixos de trabalho, garantindo a dignidade da pessoa humana. Para ele, não basta que o Estado apenas proteja o trabalhador, mas deve agir de forma objetiva para garantir seus direitos.

    b) Princípio da Livre Iniciativa:

    A Livre Iniciativa está inserta no mesmo dispositivo constitucional do Princípio anterior, com status, portanto, de fundamento da República Federativa do Brasil.

    O Princípio ganha contornos mais claros no artigo170 da Carta Magna. Para Juliana Nascimento (2011, p. 7):

    “considerada direito fundamental do homem por garantir o direito de acesso ao mercado de produção de bens e serviços por conta, risco e iniciativa própria do homem que empreende qualquer atividade econômica. Por definição, significa direito à livre produção e circulação de bens e serviços e, consequentemente, o respeito dos demais (Estado e terceiros) a essa liberdade, garantido pelo princípio da livre concorrência.”

    Na visão de Eros Grau:

    “Importa deixar bem vincado que a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mais também pelo trabalho. A Constituição, ao contemplar a livre iniciativa, a ela só opõe, ainda que não exclua, a “iniciativa do Estado”; não a privilegia, assim, como bem pertinente apenas à empresa.” (GRAU, 2007  p. 206)

    Neste ponto, o Ministro demonstra a origem do princípio em questão, constituindo um dos ideais da Revolução Francesa e incorporado ao ordenamento pátrio com status de grande relevo na Carta Maior.

    c) Existência digna

    Sem dúvida é um dos principais pilares de todo o Ordenamento Jurídico brasileiro, senão o maior, que origina toda a caracterização do Estado Democrático de Direito vivido atualmente.

    “Embora assuma concreção como direito individual, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos. […]

    A dignidade da pessoa humana comparece, assim, na Constituição de 1988, duplamente: no art. 1º como princípio político constitucionalmente conformador (Canotilho); no art. 170, caput,  como princípio constitucional impositivo  (Canotilho) ou  diretriz  (Dworking).

    Nesta sua segunda consagração constitucional a dignidade da pessoa humana assume mais pronunciada relevância, visto comprometer todo exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização deste programa – desta política pública maior – tanto o setor público, quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação ao princípio duplamente contemplado na Constituição.” (GRAU, 2007 p. 196 – 197)

    Importante lembrar que a Dignidade da Pessoa Humana tem sua vertente Comercial exatamente da forma como salientado pelo eminente jurista, pois através da criação de empregos, por exemplo, esse ramo proporciona uma dignidade ao cidadão que não pode ser alcançada de maneira diversa.

    d) Princípio da Justiça Social:

    Mais uma vez, o Ministro Eros Grau faz importante digressão sobre o princípio, conceituando-o com da seguinte forma:

    “Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista.” (GRAU, 2007 p. 224)

    Assim, fica claro entender que o significado do princípio da Justiça Social está no seu próprio nome. Segundo o autor, justiça significa linearizar o comportamento econômico distribuindo equitativamente seu produto. Esta justiça deve ser a base da política econômica capitalista aplicada pelo Governo.

    e) Princípio da Propriedade Privada

    A propriedade privada é característica essencial ao capitalismo. Sem ela, o sistema não faria sentido e é em função dela que todo a cadeira produtiva é impulsionada. Na lavra de Eros Grau:

    “O primeiro ponto a salientar, no tratamento da matéria, respeita ao fato de que, embora isso passe despercebido da generalidade dos que cogitam da função social da propriedade, é seu pressuposto necessário a propriedade privada.” (2007, p. 232)

    Ora, se a propriedade privada tem que existir para impulsionar a engrenagem do capitalismo, de outro lado, é imprescindível que ela objetive uma função social, pois assim exige o próprio Princípio da Função Social.

    O autor em comento continua sua obra com a seguinte digressão:

    “Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas aos abusos cometidos no seu exercício encontram limitações, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal.” (GRAU, 2007 p. 235)

    Dessa forma, infere-se que a propriedade privada é garantida ao indivíduo de forma bastante ampla, limitada, apenas, quando quebrados alguns limites, onde o Poder de Polícia exige que atinja a função social.

    f) Princípio da Função Social da Propriedade

    Como já dito, a função social serve de limitador à garantia da propriedade, caso sejam extrapolados seus limites. Dessa forma, as Constituições modernas vêm sistematicamente exigindo que a propriedade atinja sua função social, caso contrário sofrerão restrições pelo Poder Público.

    “O fenômeno da constitucionalização da função social da propriedade se originou com as Constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar). A primeira estatui, no artigo 27, que ‘A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público (…)’, enquanto esta última chega a afirmar, no seu artigo 153 que ‘A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social’.

    Vê-se, assim, que a doutrina da função social da propriedade está intimamente ligada às Constituições do welfare state, que consagram o bem-estar social. Ao mesmo tempo, corresponde a uma manifestação do direito de solidariedade: ‘É também com fundamento na solidariedade que, em vários sistemas jurídicos contemporâneos, consagra-se o dever fundamental de se dar à propriedade privada uma função social’ . […]

    A função social, hodiernamente, cumpre o papel de elemento inibidor e repressor das distorções jurídicas originárias da degenerada e ilegítima utilização da propriedade. Trata-se de um agrupamento sistematizado de regras constitucionais que objetiva manter ou repor a propriedade na sua destinação normal, de forma que a mesma seja benéfica e útil a todos, e não apenas ao proprietário.” (ANJOS Fº, 2005)

    Portanto, de acordo com a obra de Anjos, a Função Social da Propriedade vem demonstrar a solidariedade no Estado Democrático de Direito, em que é garantida a propriedade, mas ela há de cumprir determinados preceitos sociais, visando a um bem social, e não unicamente de seu proprietário.

    g) Livre Concorrência

    A livre concorrência está prevista no rol do art. 170 da Constituição Federal, o que lhe confere um status de grande relevo.

    Juliana Nascimento (2011, p.10) salienta que este princípio é a manifestação do princípio da livre iniciativa, que deve ser exercido ao lado da lealdade na competição, ou boa-fé.

    Eros Grau, em digressão acerca do Princípio da Livre Concorrência, nos remete a uma interessante reflexão sobre o tema:

    “A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante.

    De uma banda porque a concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto – o poder econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo tempo que consagra o princípio. […]

    De outra banda, é ainda instigante a afirmação do princípio porque o próprio texto constitucional fartamente o confronta. A livre concorrência, no sentido que lhe é atribuído – “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela” -, supõe desigualdade ao final da competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente recusada, bastando, para que o confirme, considerar as disposições contidas no art. 170, IX, no art. 179 e nos §§ 1º e 2 º do art.171.” (GRAU, 2007 p.208 -209)

    “Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista.” (GRAU, 2007 p. 224)

    Assim, fica claro entender que o significado do princípio da Justiça Social está no seu próprio nome. Segundo o autor, justiça significa linearizar o comportamento econômico distribuindo equitativamente seu produto. Esta justiça deve ser a base da política econômica capitalista aplicada pelo Governo.

    e) Princípio da Propriedade Privada

    A propriedade privada é característica essencial ao capitalismo. Sem ela, o sistema não faria sentido e é em função dela que todo a cadeira produtiva é impulsionada. Na lavra de Eros Grau:

    “O primeiro ponto a salientar, no tratamento da matéria, respeita ao fato de que, embora isso passe despercebido da generalidade dos que cogitam da função social da propriedade, é seu pressuposto necessário a propriedade privada.” (2007, p. 232)

    Ora, se a propriedade privada tem que existir para impulsionar a engrenagem do capitalismo, de outro lado, é imprescindível que ela objetive uma função social, pois assim exige o próprio Princípio da Função Social.

    O autor em comento continua sua obra com a seguinte digressão:

    “Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas aos abusos cometidos no seu exercício encontram limitações, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal.” (GRAU, 2007 p. 235)

    Dessa forma, infere-se que a propriedade privada é garantida ao indivíduo de forma bastante ampla, limitada, apenas, quando quebrados alguns limites, onde o Poder de Polícia exige que atinja a função social.

    f) Princípio da Função Social da Propriedade

    Como já dito, a função social serve de limitador à garantia da propriedade, caso sejam extrapolados seus limites. Dessa forma, as Constituições modernas vêm sistematicamente exigindo que a propriedade atinja sua função social, caso contrário sofrerão restrições pelo Poder Público.

    “O fenômeno da constitucionalização da função social da propriedade se originou com as Constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar). A primeira estatui, no artigo 27, que ‘A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público (…)’, enquanto esta última chega a afirmar, no seu artigo 153 que ‘A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social’.

    Vê-se, assim, que a doutrina da função social da propriedade está intimamente ligada às Constituições do welfare state, que consagram o bem-estar social. Ao mesmo tempo, corresponde a uma manifestação do direito de solidariedade: ‘É também com fundamento na solidariedade que, em vários sistemas jurídicos contemporâneos, consagra-se o dever fundamental de se dar à propriedade privada uma função social’. […]

    A função social, hodiernamente, cumpre o papel de elemento inibidor e repressor das distorções jurídicas originárias da degenerada e ilegítima utilização da propriedade. Trata-se de um agrupamento sistematizado de regras constitucionais que objetiva manter ou repor a propriedade na sua destinação normal, de forma que a mesma seja benéfica e útil a todos, e não apenas ao proprietário.” (ANJOS Fº, 2005)

    Portanto, de acordo com a obra de Anjos, a Função Social da Propriedade vem demonstrar a solidariedade no Estado Democrático de Direito, em que é garantida a propriedade, mas ela há de cumprir determinados preceitos sociais, visando a um bem social, e não unicamente de seu proprietário.

    g) Livre Concorrência

    A livre concorrência está prevista no rol do art. 170 da Constituição Federal, o que lhe confere um status de grande relevo.

    Juliana Nascimento (2011, p.10) salienta que este princípio é a manifestação do princípio da livre iniciativa, que deve ser exercido ao lado da lealdade na competição, ou boa-fé.

    Eros Grau, em digressão acerca do Princípio da Livre Concorrência, nos remete a uma interessante reflexão sobre o tema:

    “A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante.

    De uma banda porque a concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto – o poder econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo tempo que consagra o princípio. […]

    De outra banda, é ainda instigante a afirmação do princípio porque o próprio texto constitucional fartamente o confronta. A livre concorrência, no sentido que lhe é atribuído – “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela” -, supõe desigualdade ao final da competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente recusada, bastando, para que o confirme, considerar as disposições contidas no art. 170, IX, no art. 179 e nos §§ 1º e 2 º do art.171.” (GRAU, 2007 p.208 -209)

     

    Fonte : Jus

  • Assessoria jurídica empresarial

    Assessoria jurídica empresarial

    1. INTRODUÇÃO

    Recentemente, tive a honraria de publicar artigo na qualificada Revista de Direito Empresarial da editora Revista dos Tribunais (Ano 2, vol. 2, mar.-abr./2014, p. 345-362) no qual desenvolvi uma minuciosa análise da atuação da Assessoria Jurídica e suas vantagens para o empresário. Reproduzo, aqui, as lições ali traçadas com o acréscimo de uma análise práticas das vantagens outrora teorizadas.

    A visão leiga acerca dos serviços jurídicos sempre esteve arraigada à própria origem da Jurisdição. A “Justiça”, como é popularmente chamada, nasceu, de fato, com uma missão bastante específica: resolver conflitos de interesses que não puderam ser solucionados pela via da autotutela.

    Sendo, pois, o advogado o único instrumento para incitar essa composição heterotutelar (salvo raríssimas exceções), a associação que sempre se fez é que o profissional jurídico somente seria útil quando necessário para resolver judicialmente uma lide, por intermédio da provocação do Estado-juiz.

    Por mais que a presente pesquisa seja uma crítica, como se verá, a essa associação, faça-se, entretanto, justiça: até pouco tempo essa ideia era, em certo ponto, justificável.

    Enquanto as relações jurídicas não eram dinâmicas o suficiente, quase se restringindo às pessoas naturais e ocasionando, por via de consequência, lides sem maiores complexidades, a atuação do profissional jurídico, de fato, quase não extrapolava a incitação jurisdicional.

    Entrementes, em tempos onde grande parte das relações jurídicas se desenvolve virtualmente, onde as negociações podem envolver centenas de pessoas e a crise de uma instituição pode influenciar nações, essa ideia precisa ser revista.

    Hodiernamente, o empresário que não se assessora juridicamente não consegue acompanhar a complexidade das normas jurídicas e, assim, delas não se beneficia e, pior, prejudica-se ao desrespeitá-las diuturnamente, comprometendo severamente o crescimento e a própria manutenção de seu negócio.

    Dessarte, a contribuição habitual, contínua e indiscriminada do profissional jurídico tornou-se cada vez mais importante para o desenvolvimento empresarial, sendo a assessoria jurídica, assim, um fator decisivo para o sucesso do empresário na exploração da atividade econômica, servindo, ainda, de verdadeiro diferencial competitivo no mercado.

    É o que se demonstrará na presente pesquisa.

    Com efeito. Para melhor organização das ideias a pesquisa foi divida em três partes.

    Na primeira parte será destinado espaço autônomo para a caracterização da assessoria jurídica. Traçar-se-á um conceito para essa espécie de serviço jurídico, preocupando-se em enumerar algumas ações englobadas nesse serviço e, após, identificando o preço médio cobrado por ele.

    A parte inaugural do estudo, portanto, será utilizada para delimitar os contornos da assessoria jurídica, demonstrando o que realmente é esse modelo de serviço jurídico. Compreensão preliminar imprescindível para que se entendam suas vantagens para o empresário.

    Na segunda parte desta pesquisa, uma vez analisado o modelo jurídico de assessoria habitual, e suas delimitações, serão estudadas as efetivas vantagens que essa espécie tem sobre a advocacia esporádica, definindo o quão a assessoria contribui para o desenvolvimento empresarial.

    A preocupação, nesse ponto, será de demonstrar algumas das principais serventias da assessoria jurídica ao empresário, comparando-as com os resultados da advocacia esporádica e, com isso, comprovando o quão válida a assessoria jurídica habitual é para o sucesso empresarial.

    Nesse ponto, ademais, também se dedica o terceiro capítulo desta pesquisa, demonstrando, com base em sólidas estatísticas concretas, que as sociedades empresárias assessoradas têm crescimento infinitamente superior às sociedades não assessoradas, comprovando, vez por todas, que a assessoria jurídica é diferencial competitivo no mercado.

    Sem mais delongas, iniciemos o estudo.


    2. OS CONTORNOS DA ASSESSORIA JURÍDICA

    2.1 CONCEITO DE ASSESSORIA JURÍDICA

    Assessoria jurídica é a modalidade de atividade jurídica, privativa de advogado (art. 1º, II, da lei nº 8.906/94), prestada, habitual, continua e indiscriminadamente, ao empresário (individual, sociedade empresária, EIRELI ou Microempreendedor Individual), sugestivamente focada na prevenção dos riscos e percepção de benefícios legais.

    O destaque feito acima é proposital: vincular o conceito de assessoria jurídica ao seu caráter habitual, contínuo e indiscriminado. Essas são as principais características da assessoria jurídica, sendo, inclusive, pressupostos de sua existência.

    Desse modo, se não for habitual, contínuo e indiscriminado o serviço jurídico prestado, não se estará diante de assessoria jurídica, mas, sim, de advocacia esporádica.

    Diz-se habitual aquele serviço que não é prestado de maneira eventual, esporádica. Exige-se, portanto, que o serviço jurídico seja frequente, não bastando um único evento para sua caracterização.

    O serviço precisa, ainda, ser contínuo, ou seja, necessita de uma frequência mínima, sem interrupção. Normalmente, essa frequência é mensal. Nada impede que uma assessoria jurídica seja temporária e não permanente (embora não seja recomendável). O que ela não pode ser é eventual e esporádica.

    Igualmente, o serviço jurídico de assessoria deve ser indiscriminado, não se atendo à prestação individualizada de uma demanda (judicial ou administrativa lato sensu) específica, mas sim de maneira personalizada, voltada à “pessoa” do empresário, atendendo a todos os seus interesses (ainda que restritos a um determinado ramo do direito ou de atuação) que surgirem durante o interstício de assessoramento.

    Sendo, pois, habitual, contínuo e indiscriminado, o serviço jurídico consubstanciará a modalidade de assessoria jurídica.

    Por fim, é de bom alvitre esclarecer a confusão que mormente se faz entre assessoria jurídica e advocacia preventiva. Trata-se de conceitos discrepantes. Em verdade, a advocacia preventiva (assim entendida a advocacia voltada à prevenção de riscos e demandas judiciais) é uma das ações inseridas na assessoria jurídica. Uma das, não a exaure, portanto.

    Tanto que a advocacia contenciosa (representação em demandas judiciais), cronologicamente posterior à própria advocacia preventiva, também é uma das ações da assessoria jurídica.

    Não se confundem, dessarte, os conceitos de assessoria jurídica e de advocacia preventiva, sendo essa uma das ações daquela. Tanto não se confundem que no conceito aqui formulado registrou-se que a assessoria jurídica é modalidade de serviço jurídico “sugestivamente focada na prevenção dos riscos e percepção de benefícios legais”.

    Não se discute, assim, que o enfoque maior da assessoria jurídica seja (ou ao menos se recomenda que seja) a advocacia preventiva, mas esse destaque não é suficiente para elevar o conceito de advocacia preventiva à denominação do conceito, mais amplo, portanto, de assessoria jurídica.

    2.2 AÇÕES DESENVOLVIDAS

    Devidamente formulado um conceito para assessoria jurídica, tendo sido definidos, inclusive, pressupostos de constituição conceitual, serão, doravante, enumeradas algumas das ações que normalmente estão (ou ao menos deveriam estar) inseridas nesse modelo de serviço jurídico.

    É de bom alvitre registrar, no entanto, que cada advogado (ou sociedade de advogados) tem total liberdade para personalizar a assessoria jurídica a ser prestada, não havendo um parâmetro rígido a ser seguido. Pelo contrário, é a abrangência da assessoria jurídica fornecida, inclusive, um interessante fator diferencial entre os escritórios de advocacia.

    Desse modo, pode a assessoria jurídica, por exemplo, limitar-se à representação em causas judiciais de determinado ramo do direito, não abrangendo qualquer espécie de atuação preventiva (o que, diga-se, não é o mais proveitoso ao empresário) ou ser uma assessoria jurídica completa (full assessory) envolvendo das mais variadas ações jurídicas (contenciosas e, principalmente, preventivas).

    Assim, o que se fará, doravante, não é enumerar as ações que sempre estarão presentes em qualquer assessoria jurídica disposta no mercado jurídico (variável que é seu conteúdo), muito menos exaurir o inesgotável rol de ações que podem ser abrangidas no respectivo modelo jurídico.

    Antes disso, o que se pretende, aqui, é tão somente, a título exemplificativo, listar algumas das principais ações que se recomenda estarem previstas, basicamente, na assessoria jurídica. É o que se passa a fazer.

    2.2.1 “CHECK LIST”

    A primeira ação de uma assessoria jurídica deve ser a confecção de um pormenorizado check-listabrangendo todas as áreas das ciências jurídicas. Trata-se de um documento (na modalidade formulário) composto por perguntas, direcionadas, que vão das mais genéricas temáticas às mais específicas.

    Ora, antes de adotar qualquer medida, faz-se necessário que o profissional jurídico conheça o empresário para o qual prestará os serviços, de modo a desenvolver suas atividades de maneira personalizada, alcançando os melhores resultados possíveis para aquele específico cliente.

    Esse “conhecer” deve se dar de maneira profissionalizada, não se limitando a reuniões informais e visitas ao ponto empresarial (igualmente importantes), mas, também, formalizada por intermédio do check-list.

    Por meio desse instrumento, o profissional jurídico fará um mapeamento inicial do estabelecimento empresarial, conhecendo as generalidades da exploração empresarial, de modo a direcionar, como dito, as futuras ações.

    Mais que isso.

    check-list será confeccionado de modo a, outrossim, identificar as eventuais irregularidades que já existam, possibilitando suas correções, e as deficiências jurídicas que podem ser melhoradas, incrementando os resultados empresariais.

    Daí a importância e imprescindibilidade dessa ação, pois, logo no início dos trabalhos, o profissional jurídico irá conhecer os detalhes do negócio do empresário, direcionando e personalizando suas ações de assessoramento, e, a fortiori, iniciará, de imediato, sua atuação preventiva, identificando deficiências e sanando-as para potencializar os resultados e evitar custos futuros.

    2.2.2 AUDITORIA JURÍDICA

    Realizado o check-list, tendo o profissional jurídico se familiarizado com o arcabouço empresarial do negócio do empresário assessorado, serão reforçadas as atividades preventivas, já iniciadas, por intermédio de uma auditora jurídica.

    Com base nas informações obtidas pelo check-list o advogado deverá prospectar, de maneira direcionada, portanto, dados e informações jurídicas, especialmente para fins de identificação de riscos e maximização de lucro, resguardando a regularidade e aferindo segurança negocial.

    Aqui, diferentemente do que aconteceu no check-list, mas por ele direcionado, o diagnóstico será realizado por meio de coleta de dados e documentos e não mais por informações prestadas em resposta aos questionamentos do formulário.

    Essa auditoria, dessarte, é fundamental para a prevenção de riscos, pois o profissional jurídico irá mapear a regularidade constitutiva da exploração da empresa, identificando, com maior precisão do que no check-list, as deficiências empresariais com potencial risco de custos.

    A importância de tal ação é amplamente reconhecida em sede doutrinária pelo que, a título exemplificativo, destacamos o que diz sobre ela o professor Marcus Abraham, segundo o qual “é imprescindível para as empresas a máxima e melhor utilização do procedimento de auditoria jurídica como medida necessária para identificar e resguardar a regularidade e a segurança jurídica das suas atividades”.

    Isso porque, como dito alhures, após um estudo detalhado das atividades do empresário (operacionais e não operacionais), será feito um verdadeiro diagnóstico jurídico de suas atividades empresariais (envolvendo todas as áreas jurídicas, desde societária até ambiental), o que munirá o empresário de informações triviais para planejar-se, evitar riscos e maximizar seu lucro.

    Registre-se, por fim, que deverá ser feita, ainda, uma auditoria jurídica contenciosa, identificando todas as ações judiciais em nome do empresário. Por esse mapeamento, poderá o profissional jurídico identificar quais as principais deficiências empresárias que estão gerando as demandas e, com isso, traçar estratégias para sua prevenção.

    As demandas judiciais deverão ser arroladas em uma tabela a ser desenvolvida pelo profissional jurídico na qual constará, entre outras coisas, o prazo estimado de duração, a probabilidade de êxito, o custo esperado pela demanda e a atual fase processual. Tudo para munir o empresário de informações necessárias ao seu planejamento.

    2.2.3 AGENDAMENTO JURÍDICO

    check-list e a auditoria jurídica irão identificar alguns prazos jurídicos que, assim, deverão ser agendados e controlados pelo profissional jurídico.

    Logicamente, a maioria desses prazos é de demandas contenciosas. Prazos, por exemplo, de apresentação de defesa, interposição de recursos, movimentação de processos há razoável tempo estagnados, entre outros.

    Todavia, o profissional jurídico deverá se preocupar, com mais razão, com os prazos extraprocessuais, ou seja, aqueles que não estão inseridos, necessariamente, em uma ação judicial ou arbitral.

    O exemplo clássico é o prazo para ajuizamento da ação renovatória de locação comercial, não residencial. Se, portanto, o empresário assessorado explorar sua atividade econômica em um imóvel locado, deve o profissional jurídico, após auditoria do contrato de locação, agendar o prazo decadencial para a propositura da demanda renovatória, previsto no artigo 51, §5º, da lei nº 8.245/91, para eventual caso de não ser obtido êxito na negociação amigável. E assim deve fazê-lo com todos os demais prazos previstos em lei.

    2.2.4 IDENTIFICAÇÃO DOS CUSTOS E BENEFÍCIOS JURÍDICOS

    Como se não bastassem todas essas ações, acima alinhavadas, de identificação e diagnósticos de riscos já instaurados e de potenciais melhorias, o empresário será assessorado, continuamente, sobre os novos custos e benefícios que surgirem com as inovações legislativas. Explica-se.

    O modelo econômico adotado pelo Brasil, caracterizado pelas incontáveis leis que “regulam” a iniciativa privada e pela forte intervenção estatal na exploração da atividade econômica, repercute diretamente na esfera jurídica do empresário que frequentemente é submetido a uma nova obrigação jurídica ou beneficiado com um privilégio legal.

    São editadas, cotidianamente, novas leis trabalhistas, tributárias, previdenciárias, ambientais, urbanísticas e dos mais diversos ramos das ciências jurídicas. Cada uma delas representa ou um acréscimo de custos ou um beneplácito para o empresário.

    O professor Fábio Ulhoa Coelho, no primeiro volume de seu Curso de Direito Comercial, alerta sobre essa ingerência das alterações legislativas na esfera do empresário chamando-as de “direito-custo”:

    “Qualquer alteração no direito-custo interfere, em diferentes medidas, com as contas dos empresários e, em decorrência, com o preço dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Isto é, cada nova obrigação que se impõe ao empresário, de cunho fiscal, trabalhista, previdenciário, ambiental, urbanístico, contratual etc., representa aumento de custos para a atividade empresarial e aumento do preço dos produtos e serviços para os seus adquirentes e consumidores.”

    Entrementes, quem pode, adequadamente, identificar as alterações do “direito-custo” é o profissional jurídico, de modo que, em não sendo assessorado, a depender da especificidade da alteração, o empresário correrá o risco de, não a identificando, ele próprio assumir a alteração, já que não conseguiu repassá-la ao mercado.

    O profissional jurídico ficará, dessarte, durante todo o interregno da assessoria jurídica, atento às inovações legislativas e irá agir sempre que elas importem em novos custos ou benefícios para o empresário.

    Havendo nova obrigação jurídica, o advogado irá alertar o empresário para que cumpra o novo regramento e evite consequências pelo seu descumprimento e, com mais razão, irá orientá-lo para que cumpra da forma menos dispendiosa possível, mediante planejamento estratégico adequado.

    Já em casos de benefício legal, o profissional jurídico irá adotar as providências necessários para o empresário dele fazer uso, sempre com vistas à extração do maior resultado possível.

    2.2.5 PLANEJAMENTOS JURÍDICOS ESTRATÉGICOS

    Além da identificação de riscos e novos benefícios legais, o profissional jurídico, com os dados e informações obtidos pelo check-list e pela auditoria, irá estudar planejamentos jurídicos que, estrategicamente, possam potencializar os resultados do negócio.

    Nesses moldes, o profissional jurídico irá procurar, por exemplo, o melhor planejamento societário, visando a maior eficiência de gestão e proteção patrimonial dos sócios, irá estudar um planejamento tributário que diminua, com segurança e dentro da legalidade, a carga tributária do empresário, formalizará um planejamento trabalhista com vistas a desonerar os encargos trabalhistas, entro tantos outros planejamentos possíveis.

    Em se tratando de sociedade empresária familiar, outro importante planejamento jurídico que pode ser realizado pela assessoria jurídica é o planejamento sucessório, no qual se evitam lides e burocracias sucessórias, reduz-se a carga tributária incidente e garante a subsistência do negócio mesmo com o falecimento de seus precursores.

    2.2.6 ACOMPANHAMENTO NEGOCIAL

    Durante o interstício de assessoramento, o profissional jurídico deve acompanhar os aspectos jurídicos das negociações empresariais de seu cliente. Acompanhamento que vai desde o nascimento do negócio (elaboração e análise de contratos), seu desenvolvimento (presença física do advogado no momento das tratativas, auferindo maior respeitabilidade à avença e garantindo que o empresário não sairá prejudicado), até sua execução (forçamento do cumprimento das cláusulas contratuais).

    Assim, o empresário terá plena confiança e certeza de que seus negócios estão se desenvolvendo de maneira válida (evitando risco de anulações) e eficaz (garantindo-se a maior eficácia dos negócios, com riscos reduzidos e benefícios potencializados).

    2.2.7 CONSULTAS E PARECERES

    Obviamente, durante o período da assessoria jurídica, o profissional jurídico irá atuar de maneira proativa e comissiva, independente, portanto, de incitação por parte do empresário. Afinal, é ele, profissional jurídico, quem conhece quais as ações jurídicas que podem contribuir para o sucesso e resguardo do negócio.

    Assim, sem necessidade de provocação por parte do empresário, é dever do profissional jurídico organizar e indicar quais os procedimentos jurídicos adequados que devem ser tomados pelo empresário em suas ações empresariais.

    De toda sorte, por mais competente que seja o profissional jurídico, ele não conseguirá pré-confeccionar toda e qualquer ação empresarial. O dinamismo e velocidade com que se desenvolvem as relações empresariais torna impossível tal tarefa.

    Em sendo assim, todas as vezes em que o empresário se deparar com uma dúvida jurídica, não tendo o profissional jurídico pré-estabelecido sua resolução e a forma adequada de condução, poderá o empresário questionar o profissional jurídico para que esse emita parecer ou consulta sobre a questão controvertida.

    O ideal, portanto, é que o empresário sempre tome suas opções gerenciais respaldado em consulta ou parecer jurídico de seu assessor jurídico, evitando que a escolha tomada seja juridicamente prejudicial aos seus negócios.

    É muito comum, por exemplo, dúvidas de cunho trabalhista, mormente procedimentais. A consulta ao profissional jurídico, assim, possibilita que o empresário se resguarde quanto a tão delicado ramo das ciências jurídicas e de todos os demais.

    Outrossim, pareceres e consultas são bastante indicados para tomada de decisões gerenciais, principalmente quanto a questões regulatórias e de contratação com o Poder Público.

    2.2.8 ATUAÇÃO CONTENCIOSA

    O que se almeja, com todas as ações enumeradas nos tópicos pretéritos, é que o empresário fique o mais resguardado possível das ações judiciais. Cada vez mais, as demandas judiciais são indesejáveis aos olhos estratégicos, posto que importam em custos elevados, perda de tempo e esforços, desviando a atenção do foco principal do negócio, além do notório prejuízo que o rótulo de “empresa litigada” traz à marca.

    Todavia, mesmo com o maior esmero na prevenção, não se pode assegurar que, conquanto esporadicamente, não se fará necessária a representação do empresário em uma demanda judicial.

    Por isso, insere-se nas ações da assessoria jurídica a representação do empresário em qualquer demanda judicial que venha a tramitar durante o período de assessoria jurídica. Trata-se do chamado full serviceconsistente na assessoria do empresário em todas as áreas do direito.

    Quer dizer que o profissional jurídico irá defender o empresário, em juízo ou arbitragem, em demandas que envolvam discussões de qualquer matéria.

    Para se ter uma ideia, inclui-se nos serviços de assessoria jurídica, normalmente, a atuação nas seguintes áreas: societário; contencioso e arbitragem; fusões e aquisições; recuperação de empresas e falências; mercado de capitais; constitucional e relações governamentais; financiamentos e direito bancário; regulatório e administrativo; capital estrangeiro; infraestrutura e PPPs; tributário e planejamento fiscal; relações de consumo; direito econômico e da concorrência; direito do trabalho; penal empresarial; propriedade industrial e intelectual; imobiliário; comércio exterior e defesa comercial; eleitoral; seguros e resseguros; direito civil e contratos; recuperação de créditos; terceiro setor; turismo, esportes e entretenimento; direitos autorais; família e sucessões; advocacia de escala; no primeiro grau de jurisdição e nos Tribunais.

    Nesses moldes, a assessoria jurídica estará sempre voltada na prevenção de demandas, mas estará preparada para a representação nas demanda que surgirem nesse interstício, evitando custos ao empresário.

    2.3 CUSTO MÉDIO

    Nesse ponto, já se conhece, pormenorizadamente a espécie de serviço jurídico nominada de “assessoria jurídica”. Traçou-se, nessa primeira parte do estudo, seu conceito e, após, enumerou-se algumas das principais ações englobadas nesse serviço jurídico.

    Não há dúvida, portanto, da qualidade e da serventia desse modelo jurídico ao empresário.

    Resta saber: quanto custa, em média, esses serviços? Essa é a pergunta que todo empresário se faz e, infelizmente, deixa de se assessorar, juridicamente, por medo da resposta. Medo esse baseado em falsa premissa.

    O empresariado brasileiro, leigo que sempre foi quanto ao assunto, quando pensa na quantidade de ações jurídicas (não apenas judiciais) envolvidas no serviço de assessoria jurídica, faz imediata associação com os altos valores de honorários que eventualmente já tenha gasto com a advocacia esporádica e, assim, acredita, piamente, que são cobrados valores exorbitantes.

    O que o empresário se olvida (e não deveria, pois se trata de valor empresarial) é que o produto vendido individualmente custa mais do que aquele que se vende em conjunto (analisando individualmente os produtos agregados, por óbvio).

    Ao vender uma assessoria jurídica o advogado vende o seu rosto, a sua ideologia e pensamento jurídico, ao negócio. O profissional jurídico irá, nesse contexto, alinhar a exploração da atividade econômica aos trilhos jurídicos por ele delineados e defendidos como adequados.

    Assim, o trabalho mais árduo do advogado será nos períodos iniciais da assessoria jurídica, sendo que o negócio, após alinhado aos trilhos, terá um pouco mais de autonomia.

    O profissional jurídico vende, desse modo, uma autoconfiança em seu produto, de modo que confia na estabilização jurídica do negócio, com as medidas preventivas e medicantes que adotará e, assim, crê que o trabalho será cada vez mais sistematizado.

    Mais que isso. O profissional jurídico, especializado em assessoria, pensa na perpetuação da relação com o empresário e não em um ganho imediato. Seu ganho, notadamente, será na continuidade da assessoria e com a consequente maior estabilização de suas receitas.

    O advogado que trabalha com advocacia esporádica, por sua vez, tem, sim, que cobrar mais pelos seus serviços, pois são, como dito, esporádicos e, portanto, incertos. Deve, dessarte, sopesar essa incerteza na margem de preço para suportar os meses de eventual baixa.

    O profissional da assessoria jurídica, pelas especificidades desse modelo de serviço jurídico, tem pensamento inverso. Cobra menos, pois sua intenção é alongar a relação com o cliente, e pode fazer isso (cobrar menos) por conseguir antever as receitas que terá, eis que parcialmente estáveis e previamente conhecidas.

    Descontruído, pois, o “mito” empresarial da dispendiosidade da assessoria jurídica, resta responder, objetivamente, à indagação há pouco formulada: quanto custa, em média, esses serviços ao empresário?

    Os valores mínimos deste serviço estão formulados nas Tabelas de Honorários de cada Seção (ou Seccional) da Ordem dos Advogados do Brasil. Na Seção de Goiás, por exemplo, o valor mínimo a ser cobrado pela assessoria jurídica é de R$ 1.570,00 (mil quinhentos e setenta reais). Já na Seccional do Rio de Janeiro, o valor mínimo é um pouco maior: R$ 2.940,11 (dois mil, novecentos e quarenta reais e onze centavos).

    De fato, os valores variam de região para região, mas é entre tais patamares que se encontra a média dos custos da assessoria jurídica no Brasil. Logicamente, a depender do volume de trabalho (normalmente atrelado ao porte do empresário), esse valor poderá ser maior, mas a média do custo da assessoria jurídica fica, sempre, em torno dos patamares mínimos acima expostos.

    Normalmente, o profissional jurídico, para tornar ainda mais atrativa a assessoria jurídica para o empresário, insere, nos honorários mensais, uma parte variável, lastreada em índices de trabalho (quanto maior o trabalho, maiores os honorários). Isso compensa, para o empresário, os meses em que o trabalho do profissional jurídico é menor e, ainda assim, não prejudica a antevisão do empresário quanto aos gastos que terá com a assessoria, pois saberá o valor máximo que ela chegará em caso de maior esforço possível do profissional jurídico.

    Pois bem. Se o estudo findasse aqui já seria, mesmo assim, suficiente para se constatar as vantagens de uma assessoria jurídica para o empresário, porquanto já possam essas ser presumidas pelo leitor. Todavia, para que fique a mais completa possível essa análise, alcançando seu objetivo traçado, continuemos com as demais etapas da pesquisa.